Euclides Ribeiro

A prova de fogo da recuperação judicial está nas mãos do Senado

por Euclides Ribeiro

04 de Setembro de 2020, 07h51

Imagem: Divulgação / Assessoria
Imagem: Divulgação / Assessoria

A Lei de Falências e Recuperação Judicial acaba de debutar nos seus 15 anos de vigência e, sem dúvidas, está confrontada a seu momento de maior provação histórica. Após anos de discussões no Congresso, a Câmara dos Deputados aprovou na semana passada o projeto que reforma o texto dessa legislação. A nova redação tem o objetivo de dar fôlego para empresas em dificuldade financeira e pode incentivar a entrada de dinheiro novo no caixa das companhias.  A própria equipe econômica do Governo Federal tem enfatizado que essa proposta é prioritária para auxiliar o país a sair da crise econômica gerada pela pandemia.

A mudança na lei vinha sendo desenhada desde o ano passado pelo governo, entidades privadas, advogados e representantes do Judiciário com o objetivo de oxigenar a legislação em vigor, considerada defasada por toda a classe empresarial, inclusive representantes do agronegócio. O texto aprovado agora segue para análise do Senado.

Entre os destaques do novo marco aprovado na Câmara estão a previsão de regras que facilitam a tomada de empréstimo por empresas em recuperação judicial; descontos e prazos maiores para o parcelamento de dívidas com a União; estímulos para que as empresas busquem a negociação com os credores fora do ambiente judicial e aceleração do processo de decretação de falência.

Além disso, o texto permite que o produtor rural pessoa física também entre com um pedido de recuperação judicial. Não há previsão para isso na lei vigente e os bancos e as tradings vinham travando verdadeiro cabo de guerra jurídico com os produtores para tentar impedir que eles se valessem do recurso para equilibrar suas contas e ganhar fôlego para pagar suas dívidas.

O mercado de crédito fez a farra durante muitos anos arrochando o homem do campo por conta da ausência de um dispositivo de negociação que fosse mais conciliatório para o tomador. Mas, desde a instituição da lei de falências e Recuperação Judicial, o Judiciário já vinha reconhecendo o direito para o produtor rural pessoa física de utilizar esse recurso. Um benefício que agora fica sacramentado com a nova lei mas que ainda depende de validação no Senado.

Essa atualização legislativa não tira o mérito da lei que regeu a questão da recuperação judicial no país ao longo dos últimos 15 anos. O antigo regime da concordata, que prevalecia desde 1945, já não se mostrava compatível com o desenvolvimento da nossa economia, o que levou à alteração da lei em 2005 e que foi muito importante para o empresariado brasileiro desde então.

A partir dali, os procedimentos ficaram mais simplificados, as empresas ganharam maior prazo para pagamento aos credores e tivemos uma onda de suspensão das execuções de dívidas. Mas, desde então, muitas outras mudanças vieram e a legislação carece urgentemente de uma atualização. Só para se ter uma ideia, atualmente o Brasil aparece na 77ª posição em ranking do FMI sobre resolução de falência. Estamos atrás, e muito, de países como Chile e México, por exemplo.

Por isso torna-se imperativo aos nossos Senadores confirmarem a decisão da Câmara para que as empresas possam voltar o quanto antes a produzir, gerar empregos e auxiliar na recuperação da economia nacional.

Segundo estimativa do Ministério da Economia, mais de 3,5 mil empresas podem entrar com pedido de recuperação judicial nos próximos meses, dada a severidade da crise por conta do Coronavírus. O número é três vezes maior que o esperado num cenário sem choques e pode estar inclusive subestimado pois muitas empresas pequenas não chegam a formalizar um pedido. Simplesmente baixam as portas e encerram com isso o sonho de empreender.

Nesses tempos bicudos, que já vem de um ciclo pré-pandemia, onde convivemos com a falta generalizada de emprego no país, tivemos um salto no chamado “empreendedorismo por necessidade”. Muitos até estavam conseguindo encarar o desafio da gestão mas a crise dentro da crise passou um rolo compressor na economia e muitos acabaram encerrando seu negócio. E o pior é que não estão sendo absorvidos no mercado como empregados.

Reflexo disso é que o índice de endividamento dos brasileiros atingiu 67,1% em junho; maior taxa desde janeiro de 2010, segundo pesquisa divulgada pela Confederação Nacional do Comércio nesta segunda-feira, 31/08. Antes da pandemia, 60 milhões de brasileiros estavam inadimplentes; atualmente, esse número passou para 90 milhões de pessoas.

Nesse contexto são mais do que necessárias melhores condições para que as empresas possam sobreviver a um processo de recuperação judicial e não recorrerem a medidas mais drásticas e tão danosas para toda a cadeia produtiva.

A finalidade da recuperação judicial é justamente viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira da empresa, permitindo a manutenção da fonte produtora e dos empregos e a preservação do interesse dos credores, reconhecendo a sua função social e promovendo o estímulo à atividade econômica. Se a aprovação da nova lei da falência já era importante no passado, neste momento ela representa uma questão de sobrevivência. E a prova de fogo está nas mãos do Senado.

Euclides Ribeiro, é advogado, fundador da Universidade de Recuperação Judicial, sócio fundador da ERS Advogados e especialista em Recuperação de Empresas e Empresários Rurais