VIOLÊNCIA EM SP

Mortes em Paraisópolis: o que se sabe e o que falta esclarecer

por G1

02 de Dezembro de 2019, 11h13

Mortes em Paraisópolis: o que se sabe e o que falta esclarecer
Mortes em Paraisópolis: o que se sabe e o que falta esclarecer

Há duas versões sobre o que aconteceu em um baile funk de Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, na madrugada de domingo (1º), quando nove pessoas morreram pisoteadas e outras 12 ficaram feridas. A polícia diz que a confusão foi provocada por criminosos, que atiraram contra militares e usaram frequentadores da festa como "escudo humano". Parentes de vítimas contestam e falam em uma "emboscada" da PM.

Veja a seguir mais detalhes sobre o baile funk, sobre a comunidade, sobre as versões do que aconteceu no domingo e o que ainda falta esclarecer:

Baile da Dz7

Na madrugada do último domingo, acontecia na rua Ernest Renan, em Paraisópolis, o Baile da Dz7 (lê-se dezessete), uma festa que existe desde o começo dos anos 2000. Segundo moradores ouvidos pela BBC News Brasil, o número 17 é uma referência a um bar de drinks que existia na favela. A festa teria surgido como um pagode em frente a esse boteco, mas, nos intervalos, os frequentadores ouviam funk em carros estacionados na rua.

O baile cresceu e invadiu as madrugadas. Carros com aparelhos de som potentes tocam funk para até 30 mil pessoas espalhadas por vielas que hoje são mais comerciais do que residenciais. A festa costuma ocorrer nas noites de sexta e sábado. Mas podem começar na noite de quinta-feira e se estender até domingo. No dia da confusão, cerca de 5 mil pessoas participavam do baile.

Paraisópolis

É a 2ª maior favela de São Paulo e 5ª maior do Brasil. Tem 10 quilômetros quadrados e fica ao lado do Morumbi, bairro nobre na zona oeste de São Paulo.

Estima-se que tenha cerca de 100 mil habitantes e 8 mil estabelecimentos comerciais — a maioria pertence a moradores. O local sofre com pobreza extrema, falta de saneamento básico e atuação do tráfico de drogas.

A confusão na madrugada de domingo

O que diz a polícia:

Agentes do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) faziam a Operação Pancadão, que busca "garantir o direito de ir e vir do cidadão e impedir a perturbação do sossego"

Eles foram alvo de tiros disparados por dois homens em uma motocicleta

A dupla fugiu em direção ao baile funk ainda atirando, o que provocou tumulto

Equipes da Força Tática, que foram reforçar a ação, levaram pedradas e garrafadas. Os policiais, então, revidaram com munições químicas para dispersão

Alguém no meio da multidão disparou um tiro e houve correria

Nenhum policial fez disparos com armas de fogo

Duas viaturas da PM foram depredadas

Todas as vítimas morreram pisoteadas, e não por causa de tiros

O que dizem frequentadores do baile e parentes de vítimas:

Policiais chegaram e fecharam duas ou três ruas onde acontecia o baile, coagindo os frequentadores

Houve corre-corre

Policiais atiraram com armas de fogo, atiraram bombas de gás e balas de borracha, jogaram garrafas, bateram com cassetetes e usaram sprays de pimenta na multidão

Agrediram com tapas e chutes pessoas já imobilizadas

Mortos e feridos

Nove pessoas morreram e 12 foram hospitalizadas com ferimentos. Na manhã desta segunda-feira (2), apenas uma permanecia internada.

Saiba quem são os mortos:

Marcos Paulo Oliveira dos Santos, de 16 anos

Dennys Guilherme dos Santos Franca, de 16 anos

Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos

Gustavo Cruz Xavier, de 14 anos

Bruno Gabriel dos Santos, de 22 anos

Eduardo Silva, de 21 anos

Mateus dos Santos Costa, de 23 anos

Gabriel Rogério de Moraes, de 20 anos

Luara Victoria de Oliveira, de 18 anos

O que aconteceu após o baile

Seis policiais que participaram da ação prestaram depoimento na tarde de domingo e foram liberados. As armas deles foram apreendidas.

Moradores protestaram nas ruas de Paraisópolis no domingo para pedir justiça. Um grupo carregou cartazes e cruzes e caminhou até a Avenida Giovani Gronchi. O ato foi pacífico.

Nesta segunda, a Polícia Civil começa a colher depoimentos de testemunhas da ação da PM. Serão ouvidos frequentadores do baile, parentes de vítimas e outros policiais que ajudaram a socorrer as vítimas.

O que falta esclarecer

Quais eram os objetivos da operação policial no baile funk e quantos policiais participavam dela?

Criminosos atiraram contra policiais? Esses criminosos foram localizados?

Policiais revidaram com arma de fogo?

Por que a polícia precisou usar bombas de gás e cassetetes contra a multidão do baile?

Quais são as causas das mortes das nove pessoas?

Os vídeos que mostram policiais agredindo outras pessoas foram gravados durante o baile de domingo? Esses policiais já foram identificados? E as vítimas?

Repercussão

O ouvidor das polícias, Benedito Mariano, afirmou que "a PM precisa mudar protocolo".

"Toda intervenção policial em baile funk tem que chegar antes do evento. Intervenção policial quando há cinco mil pessoas na rua o conflito é inerente. Há necessidade de mudar o protocolo da PM sobre bailes funk", disse o ouvidor.

O governador João Doria (PSDB) lamentou as mortes e pediu "apuração rigorosa" do episódio.

Ariel de Castro Alves, advogado e conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe), disse que "foi uma ação desastrosa da Polícia Militar, porque gerou tumulto e morte".

"Os vídeos mostram torturas, abusos e que os jovens foram encurralados. Demonstram que os PMs são os principais responsáveis pela tragédia. A polícia precisa estar preparada para atuar em situações como essa", afirmou Ariel.

A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, afirmou que a polícia de São Paulo tem de prestar contas do que ocorreu na comunidade.

"É muito importante que a polícia preste contas do que, de fato, aconteceu, sem medo de assumir um erro caso tenha havido", afirmou. "Esse é o principal ponto."