OPINIÃO

O ensurdecedor silêncio chinês e a falha de Mackinder

por João Alfredo Lopes Nyegray

01 de Março de 2022, 13h47

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Divulgação

inda que sir Halford John Mackinder, geopolítico britânico, não tenha sido o responsável por cunhar o termo “geopolítica”, seus trabalhos seguem entre os mais importantes dessa área do conhecimento. Depois de presenciar os exaltados e beligerantes ânimos dos países europeus no decorrer do século XIX, Mackinder percebeu que, aos poucos, o poderio britânico perdia preponderância, num mundo em que o transporte terrestre poderia alcançar regiões em que a poderosa marinha britânica jamais estaria.

Foi Mackinder que percebeu que a Rússia é uma fortaleza terrestre natural: ártico ao norte – àquela época congelado, hoje nem tanto –, estepes cazaques ao sul, montanhas mongóis e deserto de Gobi a sudeste dariam aos russos uma proteção “natural” contra invasões de outros países. Em seu lado mais oriental, o Oceano Pacífico não daria acesso a nenhum grande centro econômico russo.

Percebendo esse cenário, Mackinder sugeriu, após a Primeira Guerra Mundial, separar a Rússia do que chamava de “perigo alemão” por uma série de “estados tampão”. Seriam Estados independentes do Mar Báltico ao Mar Negro, cujo objetivo seria dificultar uma aliança entre Alemanha e Rússia. Deriva daí o surgimento de nações cujos territórios vieram das potências que perderam a Primeira Guerra, em especial o Império Austro-Húngaro e a Alemanha. No fundo, os estados tampão – Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, Bulgária, Romênia, Iugoslávia, dentre outros – não se mostraram fortes o suficiente para conter qualquer avanço alemão ou russo.

A diversidade de idiomas, visões políticas e tamanho territorial pequeno, que representa recursos naturais escassos, não permitiria a essas nações impor-se contra qualquer grande potência. A falha de Mackinder fica clara não apenas com essas constatações, mas também com a invasão russa à Ucrânia. Essa invasão, que desafia a ordem mundial e pode representar uma grande ruptura geopolítica, é notadamente uma afronta ao Direito Internacional e aos tratados globais, dentre os quais a Carta da ONU e o Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança.

Em paralelo a tudo isso, há outro ponto bastante incômodo a respeito do qual pouco se tem falado: o silêncio chinês. Putin visitou Xi Jinping na ocasião da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, e saiu de Pequim com o apoio chinês. Na reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a representante chinesa foi extremamente breve, e afirmou que a China não concorda com sanções econômicas e acredita que essa iniciativa é inócua.

A pergunta que fica no ar, e arrepia a espinha até dos mais fortes é: estariam os chineses cogitando fazer algo semelhante com Hong Kong e Taiwan? Sabemos dos exercícios militares marítimos e aéreos próximos a ambas as ilhas, e sabemos também que a China tem constantemente pressionado as duas ilhas, retirando liberdades e direitos de seus cidadãos como já fez há décadas com aqueles que habitam a China continental.

De um lado, sabendo que a Rússia seria alvo de intensas sanções econômicas, o líder russo vem guardando dólares há anos e hoje afirmou ter mais de US$ 700 bilhões em reservas. Rússia e Ucrânia são responsáveis por quase um terço de todo o trigo produzido no mundo, exportam petróleo, gás natural e fertilizantes. Exceto pelo trigo, o mundo conta com outros fornecedores desses itens.

De outro, Hong Kong e Taiwan têm economias muito mais complexas, são grandes geradores, produtores e exportadores de produtos de tecnologia. Trata-se de produtos que dificilmente se pode encontrar outros fornecedores com facilidade. Nesta quinta-feira (24), enquanto o mundo olhava atônito para o leste europeu, nove aviões militares chineses invadiram o espaço aéreo de Taiwan – que emitiu um alerta a esse respeito.

A pandemia já colocou nossa geração nos livros de história. O que estará nas próximas páginas?

*João Alfredo Lopes Nyegray é coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de Geopolítica e Negócios Internacionais da Universidade Positivo.