OPINIÃO

A agricultura irrigada no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

por Lineu Neiva Rodrigues

10 de Junho de 2024, 08h54

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Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU), pensando nos próximos 15 anos e nos problemas mais críticos a serem enfrentados pela humanidade, lançou o desafio aos seus 193 Estados-membros, incluindo o Brasil, de uma Agenda propositiva que pudesse potencializar o desenvolvimento sustentável e melhorar a vida das pessoas. 

Nessa Agenda, denominada de Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, construída a partir de um processo participativo coordenado pela ONU, foram propostos 17 Objetivos, denominados de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Para acompanhar o cumprimento desses objetivos, foram propostas 169 metas associadas que são integradas e indivisíveis, de natureza global e universalmente aplicáveis, tendo em conta as diferentes realidades, capacidades e níveis de desenvolvimento nacionais e respeitando as políticas e prioridades de cada país.

Os ODS, em síntese, visam garantir os direitos humanos; erradicar a pobreza e a fome; garantir água, saneamento e energia para todos; oferecer saúde e educação de qualidade para todos; combater as desigualdades e as injustiças; promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas; enfrentar a degradação ambiental e as mudanças climáticas; proteger a biodiversidade; estimular o desenvolvimento sustentável; além de promover sociedades pacíficas e inclusivas até o ano de 2030.

Qual o papel da agricultura irrigada nessa Agenda tão desafiadora? A cada dia, o fortalecimento da agricultura irrigada se mostra um imperativo para a segurança na produção de alimentos, fibras e energia no mundo, e ela deve estar cada vez mais alinhada à política agrícola e ambiental dos países, bem como ser ambientalmente sustentável, economicamente viável e socialmente justa.

A agricultura irrigada traz benefícios diretos à produção de alimentos e benefícios indiretos em relação ao emprego, ao ambiente, à economia e à qualidade de vida das pessoas. Dessa forma, contribui direta ou indiretamente para vários ODS da Agenda 2030.

Por aumentar a produtividade em até cinco vezes, dependendo da cultura, a agricultura irrigada contribui diretamente com o ODS de número 2, que visa acabar com a fome e dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos. Analisando o ODS 2, observa-se que as metas 2.3 e 2.4, que objetivam dobrar a produtividade agrícola e garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos até 2030, respectivamente, dificilmente serão cumpridas sem a contribuição da agricultura irrigada.

Uma das principais características da irrigação é reduzir a influência do clima na agricultura. Ao reduzir essa influência, ela traz estabilidade à produção de alimentos, cria oportunidades ao viabilizar a produção de certas culturas e contribui para que sejam produzidos alimentos de melhor qualidade. Nesse contexto, a agricultura irrigada, embora de forma indireta, contribui também para o cumprimento das metas 2.1 e 2.2 do ODS 2, que buscam erradicar a fome e garantir o acesso de todas as pessoas a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano, bem como acabar com todas as formas de má-nutrição até 2030.

Uma das características mais interessantes da agricultura irrigada é a sua “efetividade”, pois ela viabiliza tanto a produção durante todo o ano como a produção de alimentos em regiões com baixa disponibilidade hídrica, possibilitando o desenvolvimento da agricultura em regiões onde não seria possível produzir. Com sua efetividade, ela viabiliza o desenvolvimento de regiões com baixo potencial agrícola, possibilitando a fixação do homem no campo, construindo economias locais dinâmicas, sustentáveis, inovadoras e favorecendo o empreendedorismo, a criatividade e a inovação. Algumas culturas, como a fruticultura, onde a irrigação é essencial, pode criar mais de seis empregos por hectare – empregos duradouros e de qualidade que favorecem a mão de obra feminina, promovendo o empoderamento econômico das mulheres. 

Com sua efetividade, a agricultura irrigada contribui com o ODS 1 (Erradicação da pobreza) e com o ODS 8 (Trabalho descente e crescimento econômico), principalmente para a meta 1 do ODS 1, que prevê erradicar, até 2030, a pobreza extrema para todas as pessoas, e a para as metas 8.1 e 8.6, que objetivam, respectivamente, sustentar o crescimento econômico per capita de acordo com as circunstâncias nacionais e reduzir substancialmente a proporção de jovens sem emprego, educação ou formação.

Ao intensificar a produção em uma mesma área, a agricultura irrigada é benéfica ao meio ambiente, contribuindo para reduzir as necessidades de desmatamento e a preservação da biodiversidade. A irrigação funciona como um seguro contra os períodos de incerteza hídrica, cada vez mais comuns. Na questão das mudanças climáticas, com potenciais impactos na temperatura e no regime de chuvas, a irrigação se apresenta como uma das principais tecnologias de adaptação, contribuindo para reduzir as incertezas do clima e trazendo estabilidade à produção. Contribui também com a mitigação das mudanças climáticas, uma vez que possibilita a exploração de mais de um cultivo anual, adicionando resíduos de matéria orgânica, além do acúmulo de carbono no solo. Nesse contexto, a agricultura irrigada contribui com o ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima), principalmente para a meta 13.1, que visa reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados ao clima.

Também é importante observar a contribuição da agricultura irrigada em relação aos ODS 6 e 15, Água potável e saneamento e Vida Terrestre, respectivamente, sobretudo em relação às metas 4.4 (ODS 6) e 15.1 (ODS 15). A meta 4.4 busca aumentar, até 2030, a eficiência do uso da água em todos os setores e assegurar retiradas sustentáveis e o abastecimento de água doce para enfrentar a escassez de água, bem como reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água; já a meta 15.1 busca assegurar a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce interiores. Nesses dois casos, para contribuir com esses objetivos, os sistemas de irrigação devem ser bem planejados e manejados para apresentar eficiências compatíveis com as tecnologias mais modernas. Sendo mais eficientes e utilizando uma menor quantidade de água, sem prejudicar a produção, liberam água para outros usos, contribuindo para reduzir as disputas hídricas. Sistemas com baixa eficiência de irrigação, entretanto, têm efeito contrário, e comprometem o alcance dessa meta e de outros ODS que buscam melhorar a vida das pessoas.

Produzir alimento é o principal papel da agricultura irrigada. Ao cumprir o seu papel, ela traz desenvolvimento sustentável, empregos de qualidade e melhora a vida a vidas pessoas. Assim, o papel da agricultura irrigada para o cumprimento de metas previstas em pelo menos seis ODS da Agenda 2030 é claro. Tornar o cumprimento dessas metas factíveis é um desafio para a humanidade, que pode ser facilitado com o fortalecimento da agricultura irrigada, o que requer um planejamento estratégico e políticas que priorizem a disponibilidade de água e a energia com qualidade.

Entretanto, ainda persiste o desafio de se buscar integrar de forma efetiva e estratégica as políticas de segurança hídrica e alimentar de forma a assegurar estabilidade para a produção de alimentos. Para que o papel estratégico do Brasil no cumprimento dos ODS possa ser consolidado, é importante que os nossos agricultores tenham segurança hídrica e energética. Isto é, ao se pautar questões essenciais que envolvam os recursos hídricos e o desenvolvimento da energia no País, deve-se colocar nessa pauta, como política de estado e de maneira estratégica, a irrigação como a principal tecnologia para garantir estabilidade e sustentabilidade à produção de alimentos.

Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados