OPINIÃO
Menopausa: o outono que floresce
Daniele Rosevics
11 de Julho de 2025, 06h10

Durante décadas, o corpo feminino foi treinado a se calar. A sentir dor em silêncio. A atravessar transformações hormonais com vergonha, como se o próprio ciclo da vida fosse algo a esconder. Menstruação, gravidez, puerpério, menopausa — fases naturais, mas ainda tratadas como tabu.
Hoje, escrevo como médica da saúde da mulher e como mulher que escuta, diariamente, outras mulheres dizendo: "Doutora, eu não me reconheço mais". A frase, quase sempre, vem acompanhada de olhos marejados e de uma sensação profunda de desamparo.
Na menopausa, até quem sempre teve intimidade com o próprio corpo pode se surpreender com tantas mudanças. Imagine, então, quem passou a vida sem aprender a escutar os próprios sinais. As dúvidas são muitas: “Por que estou engordando?”; “Esse calor intenso tem volta?”; “Minha libido desapareceu, isso é normal?”; “Preciso mesmo fazer reposição hormonal?”; “É perigoso?”; “Por que meu sono mudou?”; “Por que estou chorosa, ansiosa, irritada?”. Essas perguntas, embora pareçam técnicas, carregam mais do que desequilíbrios fisiológicos. Carregam histórias de silenciamento, de medo, de solidão.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de mulheres na menopausa deve ultrapassar 1,2 bilhão até 2030. Só no Brasil, estima-se que cerca de 30 milhões estejam atualmente nessa fase, conforme dados da Sociedade Brasileira de Climatério (Sobrac). E mesmo assim, o assunto ainda é tratado como tabu — inclusive dentro das próprias famílias.
Menopausa não é doença. É uma transição biológica, geralmente entre os 45 e 55 anos, marcada pela queda dos hormônios estrogênio e progesterona. Os sintomas mais frequentes — ondas de calor, ressecamento vaginal, alterações de humor, ganho de peso, perda de massa óssea, insônia — podem ser intensos e, sim, merecem cuidado. Mas não precisam ser enfrentados sozinhos.
A boa notícia é que nunca se falou tanto sobre menopausa como agora. Documentários como “Menopausa Sem Tabu” (Globoplay) e campanhas globais como “Let’s Talk Menopause” (EUA) têm trazido o tema para o centro das conversas. Profissionais de saúde estão se atualizando, congressos estão abrindo mais espaço para o assunto, e as mulheres estão se reencontrando em rodas de conversa, grupos de apoio, redes sociais.
Mesmo assim, persiste uma lacuna. Ainda falta acolhimento. Ainda falta escuta. Ainda falta acesso à informação de qualidade.
É importante dizer que a reposição hormonal, quando bem indicada, não é um bicho-papão. A North American Menopause Society (NAMS) reforça que, para mulheres saudáveis e com menos de 60 anos ou dentro de 10 anos da menopausa, os benefícios da terapia hormonal superam os riscos — principalmente quando se trata de aliviar sintomas severos e proteger a saúde óssea e cardiovascular. No Brasil, o protocolo da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) também orienta seu uso de forma segura e personalizada.
Mas não se trata apenas de medicamentos. Trata-se de devolver à mulher o direito de se conhecer, de se respeitar e de se cuidar sem culpa. Trata-se de reconstruir a autoestima, de rever crenças, de se permitir renascer.
É por isso que digo, com convicção: a menopausa não deve ser encarada como o fim, mas como um rito de passagem. Um convite ao reencontro consigo mesma. Um marco de liberdade, onde a mulher não precisa mais pedir licença para se escolher.
A sociedade ainda não está completamente preparada para acolher a mulher madura como ela merece. Mas estamos caminhando. Cada espaço de escuta — seja numa sala de consulta, num palco ou numa roda de conversa — é um passo para diminuir esse abismo de silêncio.
Que nenhuma mulher aceite a invisibilidade como parte do processo. Seu corpo carrega histórias, fases, conquistas. Ele merece escuta. Merece gentileza. E, acima de tudo, merece florescer. Mesmo no outono.
*Daniele Rosevics é médica ginecologista e especialista em saúde hormonal da mulher.