OPINIÃO
A exclusão das pessoas com deficiência dos cargos de liderança
13 de Outubro de 2025, 06h10

Um dos mais estrondosos versos contra todas as formas de preconceito já produzido está na canção "Sampa", em que a genialidade de Caetano Veloso nos lembra que "Narciso acha feio o que não é espelho". Poucas frases descrevem com tanta precisão a miopia que ainda domina boa parte do imaginário brasileiro.
Olhamos para os cargos de liderança, sejam eles públicos ou privados, e vemos uma imagem quase homogênea, um ambiente que, por insistir em espelhar apenas a si mesmo, se torna incapaz de enxergar a beleza e a potência do que é diferente. O resultado? Um cenário desolador! Menos de 1% das pessoas com deficiência ocupam posições de liderança no país.
A Lei de Cotas, instituída em 1991, foi e continua sendo um instrumento civilizatório fundamental. Ela abriu portas que, por séculos, permaneceram trancadas pelo preconceito. Contudo, seu alcance tem se mostrado limitado a ser uma porta de entrada. A escada corporativa, que deveria ser o caminho natural para a ascensão, revela-se cheia de obstáculos excludentes, intransponíveis para muitos.
Devemos frisar que esses obstáculos não são apenas as barreiras físicas, seja pela falta de rampas ou de softwares acessíveis. A barreira mais perversa é a atitudinal. É o capacitismo. A atitude excludente, ainda que velada, nas reuniões, nas avaliações de desempenho e nos processos de promoção.
O recente "Radar da Inclusão" reforça essa realidade: 84% das pessoas com deficiência não ocupam qualquer cargo de liderança, e apenas 2% chegam à alta gestão. O que esses números nos dizem é que as empresas contratam para cumprir a lei, mas hesitam em confiar para liderar.
Eis o grande paradoxo. Em um mundo que clama por inovação como condição de sobrevivência, as empresas deliberadamente se privam de uma das maiores fontes de criatividade: a diversidade.
A inovação não nasce do consenso fácil, do eco de ideias iguais. Ela brota do atrito, do encontro entre visões de mundo distintas, de experiências de vida plurais e de formas diferentes de solucionar problemas. Uma pessoa que navega diariamente por um mundo que não foi desenhado para ela desenvolve uma capacidade de adaptação, resiliência e resolução de problemas que é um ativo inestimável.
Ao excluir o "diferente" de suas mesas de decisão, as lideranças não estão apenas cometendo uma injustiça social; estão praticando uma espécie de suicídio corporativo em câmera lenta. Estão se fechando em uma bolha de pensamentos repetidos, empobrecendo seu repertório estratégico e tornando-se perigosamente vulneráveis à "asfixia criativa". No fim, condenam-se ao risco real do fenecimento, da perda de relevância e, por fim, da falência.
A inclusão não é um ato de caridade, tampouco um item a mais em um relatório de sustentabilidade. É uma estratégia de negócio vital. É sobre quebrar o espelho de Narciso e ter a coragem de enxergar a força que existe naquilo que não nos é familiar. É entender que uma liderança verdadeiramente forte não é aquela que se vê refletida em todos, mas aquela que sabe orquestrar a multiplicidade de talentos em uma sinfonia coesa e potente.
Está na hora de as empresas brasileiras perceberem que, ao manterem suas portas de liderança fechadas para as pessoas com deficiência, não estão apenas falhando com a sociedade. Estão, acima de tudo, falhando consigo mesmas, com seu futuro e com sua própria capacidade de prosperar. A beleza, afinal, é enxergar. E já passou da hora de abrirmos os olhos.
*André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; Cientista Político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural, Escritor e Professor (Instagram: @andrenaves.def).