NEILA BARRETO

Centenário de Lenine de Campos Póvoas

por NEILA BARRETO

19 de Janeiro de 2021, 11h52

Imagem: Reprodução
Imagem: Reprodução

Em 2021, Mato Grosso e Cuiabá comemoram o Centenário de Lenine de Campos Póvoas nascido em 04 de julho de 1921, em Cuiabá e, falecido em sua cidade natal, a 29 de janeiro de 2003, aos 82 anos de idade, deixando um tributo inestimável e incomparável valor à política, administração pública, história e a cultura mato-grossense, entre outros.

O Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso – IGHMT vem preparando, a medida da sua simplicidade, homenagens a esse sócio importante do Instituto, para celebrar o centenário de nascimento do grande cuiabano Lenine de Campos Póvoas (1921-2021), além de dar conhecimento à população, pesquisadores, alunos, estudiosos, memorialistas e outros, da biografia de Lenine, suas obras, sua atuação nas culturas mato-grossense e cuiabana, suas atividades como parlamentar, secretário de estado, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado – TCE-MT, deputado estadual, vice governador do estado de Mato Grosso, escritor, sócio do IHGMT e membro da Academia Mato-grossense de Letras - AML.

A primeira homenagem, denominada Semana Cultural “ Conversando com Lenine” consiste numa série de diálogos com diversos historiadores sobre suas obras e serão transmitidos por canais de vídeos (Youtube), no formato de entrevistas, abordando vários temas da produção do autor, administrados pela jornalista Neila Barreto, atual presidente do IHGMT, e pelo historiador Suelme Fernandes, ambos sócios do IHGMT, cujo projeto foi beneficiado pela Lei Aldir Blanc, por meio da secretaria municipal de cultura, de Cuiabá.

Outra homenagem anunciada pelo IHGMT ao sócio Lenine de Campos Póvoas é a publicação de sua Revista n° 83, dedicada ao Centenário de Nascimento, cuja preparação vem sendo feita pelo Instituto e pelos dedicados sócios do conselho editorial da própria Casa, além de outras atividades, em gestação, pela atual administração.

Lenine de Campos Póvoas é filho único de um casal de intelectuais, Nilo Póvoas e Rosa de Campos Póvoas, o qual teve uma educação primorosa com oportunidades de, na infância e na adolescência, usufruir dessa condição.

Conheci Lenine enquanto jovem. Ele morador da Avenida Presidente Vargas. Eu moradora da Rua 24 de Outubro, em Cuiabá. Dividíamos a vista do fundo dos quintais. Tive a oportunidade de receber dele algumas explicações, enquanto aluna do Liceu Cuiabano, antigo Colégio Estadual de Mato Grosso e, mais tarde ter o prazer de beber da sua sabedoria, seus conselhos, seus encaminhamentos históricos, para a escrita da história do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso-TCE-MT, por meio de Dona Arlete Póvoas, sua esposa, uma vez que já se encontrava doente.

O nome Lenine foi um desejo de seu pai, pois como o próprio Lenine Póvoas confessou, esse desejo externava uma insatisfação de seu pai, ao sentir-se preterido e por viver em sérias dificuldades econômicas: (…) o meu nascimento foi por ele encarado como uma oportunidade para externar sua revolta e para magoar os poderosos da política local. “Assim, decidiu dar-me o nome de Lenine, que naquele momento encarnava, no mundo, uma bandeira de luta contra as desigualdades e injustiças sociais”, em Nilo Povoas, um mestre.

Essa atitude pode encontrar justificativa na sua própria árvore genealógica, pois, ainda segundo o Dr. Lenine: Os Póvoas são originários, remotamente, do norte de Portugal, da região de Póvoa de Varzim, Barcelos e Braga. O primeiro ancestral de que se tem notícia, no Brasil, foi Joaquim de Mello Póvoas, Capitão General da capitania do Maranhão, no século XVIII, à mesma época em que Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres governava Mato Grosso.

A mais remota informação, segundo Lenine Póvoas, é a presença de João Fernandes Póvoas adquirindo terras em Chapada dos Guimarães (MT). Casou com Ana Antônia da Fonseca, pais de José Fernandes Póvoas, casado com Antônia Alves da Cunha, pais de Ana Póvoas, João Fernandes Póvoas, José Póvoas, Antônio Póvoas e Pedro Fernandes Póvoas, nascido em 30 de abril de 1845.

Lenine foi profundamente influenciado pelo pai, cujas atitudes moldaram sua personalidade e caráter, influência possível de ser observada quando assim ele escreveu: “Meu pai nunca foi elitista na escolha dos companheiros de infância para o filho. Sempre escolhi os amigos segundo minha própria preferência e, muitos, nascidos nas classes humildes do nosso bairro. Os garotos do Beco Sujo, situado nos fundos da nossa casa, no bairro do Porto, em Cuiabá, sempre foram companheiros de peladas nas sombras dos velhos e lindos tarumeiros que pintavam de roxo o caís do porto, em frente ao rio Cuiabá.

Lenine concluiu os estudos primários e secundários em Cuiabá-MT. Bacharelou-se em 1945 em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro-RJ. Enquanto estudante lecionava Geografia nos Colégios Paula Freitas, Ruy Barbosa, Anglo-Americano e Andrews, no Rio de Janeiro, onde conheceu sua esposa Arlete Gargaglione Póvoas e, onde realizaram suas núpcias.

Sua vida pública é vastíssima e cheia de elogios. Não se ateve apenas ao universo do Direito. Atendeu aos anseios literários, culturais, políticos, administrativos e de educador. Durante a sua vida sempre enveredou pelos caminhos das letras e da produção intelectual. Foi professor de Geografia Humana na Escola Técnica de Comércio e titular da Cadeira de Direito Penal da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Desenvolveu a arte da pesquisa e da escrita, o que lhe possibilitou publicar inúmeras obras nas áreas da geografia, história, cultura e literatura.

No entanto, o senso de justiça cultivado em Lenine pelos pais, conduziu-o à vida pública. Foi Deputado Estadual (1947-1950 e 1951-1954), sendo na primeira, Constituinte.

Na segunda legislatura participou ativamente da criação do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, empreendendo, juntamente com Benedicto Vaz de Figueiredo, a necessária movimentação, percorrendo vários municípios do Estado em busca de apoio das Prefeituras do interior. De posse de grande número de assinaturas, evidenciou a necessidade de se criar o Tribunal de Contas no Estado, onde mais tarde foi Juiz, Ministro, Conselheiro, Vice-Presidente (7/01/1955), Presidente (06/01/1956-1960 1961), Vice-Presidente (05/01/1956-1960).

Vice-governador do Estado de Mato Grosso, eleito pelo voto direto a 03 de outubro de 1965. Diretor Superintendente da Companhia Mato-grossense de Mineração (METAMAT). Secretário e criador da Secretaria de Estado de Administração, no governo José Fragelli. Chefe da Casa Civil, no governo de Édson de Freitas. Foi o criador e primeiro Presidente da Fundação Cultural do Estado de Mato Grosso, no governo de José Garcia Neto, hoje Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer - SECEL, ocupada por hoje, por Alberto Machado. Exerceu o cargo de Chefe da Casa Civil no Governo de Édson Freitas, em 1990, durante três meses.

Atuou também como jornalista, fundando o órgão estudantil. No jornalismo foi jornalista fundador do órgão estudantil “A Centelha”. Colaborou com o jornal “A Batalha”. Escreveu em outros periódicos. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e membro da Academia Mato-grossense de Letras-AML, Letras, da qual foi Presidente durante 10 anos, entre os anos de 1980 a 1990.

Ocupou, na Academia Mato-grossense de Letras, a cadeira nº 33, patrocinada por Mariano Ramos e, ocupada anteriormente por Nicolau Fragelli.

Recebeu diversas condecorações. Ordem do Mérito de Mato Grosso, no grau de Grande Oficial. Comenda Filinto Müller, da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Medalha da Câmara Municipal de Cuiabá. Diploma de Benemérito dos Desportos Mato-grossenses. Diploma do Benemérito Constituinte, da Assembleia Legislativa estadual. Medalha da Federação das Academias de Letras do Brasil - FALB. Foi também merecedor do prêmio internacional Pero Vaz de Caminha, outorgado pelo Centro de Turismo de Portugal, órgão do Ministério do Interior de Portugal.

No Tribunal de Contas, foi eleito Vice-presidente a 7 de janeiro de 1955, e Presidente em 6 de janeiro de 1956; novamente Vice-presidente, em 5 de janeiro de 1960 e em 4 de janeiro de 1965, e Presidente: 4 de janeiro de 1961.

Livros publicados: Introdução ao estudo da Geografia Humana-1944. Panorama sombrio (Análise da situação financeira do Estado 1950). Síntese geográfica dos Estados Unidos. 1955. Radiografia de Mato Grosso (Conferência aos estagiários da Escola Superior de Guerra do Brasil 1967). Viagem a Portugal-1970. Mato Grosso, um convite à fortuna. 1977. Sobrados e casas senhoriais de Cuiabá. 1980. História da cultura mato-grossense. 1982.

Influências do Rio da Prata em Mato Grosso. 1982. Perspectivas demográficas e econômicas da Grande Cuiabá. 1983. Cuiabá de outrora. 1983. O ciclo do açúcar e a política de Mato Grosso. 1983. (em duas edições). Roteiro sul-americano. 1984. Síntese da história de Mato Grosso. 1985. Viagem a Portugal. 2ª edição. 1986. O Estado de Mato Grosso (Texto escrito para o livro Mato Grosso. Fronteiras - do fotógrafo David Drew Zingg, edição patrocinada por Esteve Irmãos 1985). História de Cuiabá. Texto escrito para o livro páginas amarelas do guia da cidade de Cuiabá, editado por Gilberto Hubber. 1987. Cuiabanidade. Crônicas sobre Cuiabá e sua gente. 1987. Na tribuna de imprensa. 1987. Discurso de posse na Cadeira nº 40, da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. 1987. O caos brasileiro. 1988. As raízes portuguesas, 1988 (discurso). Os italianos em Mato Grosso. 1989. Nilo Póvoas, um mestre. 1991. Barão de Melgaço. 1994. História Geral de Mato Grosso. Volumes I e II. 1996.

Em trajetória sempre ascensional, conseguiu como poucos assegurar que a força de sua cultura e de ideias brilhasse contínua e intensamente. Escreveu Mato Grosso como ninguém jamais escreveu, por ter nascido aqui, vivido os seus dias, por beber das beiradas do rio Cuiabá, suas vivências, seu cotidiano, sua cultura.

Imortalizado por seu fecundo e benemerente trabalho e por suas férteis obras literárias, ele verdadeiramente não partiu. Permanece e permanecerá entre nós, ensinando-nos com seu bom exemplo a desfolhar, dia a dia, uma a uma, as páginas da história que diuturna e brilhantemente escreveu.

Neila Barreto é jornalista, escritora, historiadora