ROSANA LEITE

As Aracelis

por ROSANA LEITE

19 de Maio de 2020, 10h45

Rosana Leite   Imagem: Reprodução
Rosana Leite Imagem: Reprodução

O dia 18 de maio de 1973 foi de grande tristeza para os familiares, amigos e amigas de Araceli Cabrera Sánchez Crespo. A menina de apenas 08 anos, de olhar profundo e brilhante, foi cruelmente torturada, estuprada e assassinada.

E qual o motivo de tamanha maldade para com uma criança? Inexplicável. Aliás, o delito ainda é um mistério, mesmo tendo se passado 47 (quarenta e sete) anos. Julgamentos aconteceram. Suspeitos foram indiciados, presos, julgados e absolvidos. Não há conclusões, é um delito sem solução e justiça para a sociedade, que tanto clamou.

A menina Araceli, no filme de terror vivido, passou o que muitas meninas e meninos já passaram, nas mãos de adultos. A violência sexual, apesar de acontecer contra crianças dos dois gêneros, acontece em larga escala contra as meninas. São elas vítimas de familiares bem próximos, de pessoas bastante conhecidas delas e dos seus.

Por isso, muitas vezes, fica “escondida debaixo dos tapetes” das casas. O emudecimento é realidade. Todavia, também é real o sofrimento das meninas e mulheres com os abusos sexuais.

Não há motivo para cometimento de qualquer crime contra mulheres, mesmo os sexuais. Mas, em tempos remotos, se ouvia dizer que a vestimenta e o modo da mulher se portar, poderia incutir nos homens a ideia quanto ao cometimento desses crimes.

Estariam elas “incitando” os homens com as respectivas atitudes. Até autoridades questionavam as vítimas do porque seriam elas as vítimas de violência sexual. Esse sempre foi um delito onde as vítimas são, muitas vezes, mais julgadas que os agressores.

A verdade é que estamos distantes de superar os abusos sexuais contra crianças e adolescentes. Algumas manchetes de jornais dizem tudo sobre essas atrocidades.

“Homem é preso acusado de estuprar enteada em MT”. “Pais denunciam suposto abuso sexual de criança de três anos em escola de MT”. “Padrasto é flagrado abusando de enteada de 7 anos na casa do pai.” “Avô é suspeito de abusar sexualmente da própria neta.” “Avó grava marido estuprando netas de 5 e 3 anos”. “Amigo da família é preso em MT suspeito de abusar sexualmente de criança de 4 anos em praça.”

É... As notícias fazem parte da vida real, infelizmente. O que faria alguém abusar sexualmente, ou despejar a libido em crianças e adolescentes? Doenças mentais? Em regra, não. A maioria dos adultos quando indiciados e presos tem a insanidade mental questionada. Contudo, os exames mostram que não são insanos. Seria muito fácil verbalizar que essas pessoas são doentes mentais. Em regra, não o são.

Araceli passou por momentos extremamente bizarros, onde a imaginação nem pode chegar. Seu corpo só foi encontrado 6 dias após ter sumido. Estava desconfigurado com ácido, com mordidas nos seios, barriga e vagina. A pequena foi drogada. Foi encontrada nos fundos de um hospital de Vitória, Hospital Jesus Menino.

Através da Lei 9.970/2000, foi instituído o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Brasil, data do desaparecimento dessa criança.

Nada, absolutamente nada, trará Araceli e tantas outras de volta. Nada apagará da memória das meninas, adolescentes e mulheres vítimas de violência sexual os momentos em que viveram as tragédias.

Muitas Aracelis estão entre nós a relatar os traumas e transtornos ocasionados. Inúmeras preferem se calar, guardar à “sete chaves” os horrores passados. Todas são compreendidas e merecem ser abraçadas.

Se colocar no lugar das vítimas é entender que não há faces para vítimas e nem para agressores...

Somos todas Aracelis!

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.