OPINIÃO
Os perigos da política de flexibilização das leis de proteção ambiental
20 de Junho de 2024, 07h57
Mais de 175 mortes confirmadas, dezenas de desaparecidos e cerca de 2 milhões de pessoas afetadas. Esses são os números, ainda não finais, do maior desastre climático enfrentado pelo Rio Grande do Sul. Enquanto acompanhamos estarrecidos as consequências dessa catástrofe, também tentamos entender as causas. Existem várias possibilidades e, possivelmente, a flexibilização das leis de proteção ambiental está entre elas.
Um levantamento divulgado pelo jornal Folha de São Paulo aponta que, desde 2019, aproximadamente 480 normas do Código Ambiental do estado foram alteradas pelo governo gaúcho. As mudanças vão desde de maior facilidade para licenciamento de agrotóxicos até permissão para construção de barragens e açudes em Áreas de Preservação Permanente (APP) para reserva de água para irrigação de lavouras.
Há muito tempo especialistas alertam para a incidência das mudanças climáticas e seus efeitos no planeta. No Brasil, tem sido cada vez mais frequente o enfrentamento de calamidades ambientais. Não por coincidência, uma pesquisa Quaest revelou que, entre os 2.045 entrevistados, 78% afirmaram que já enfrentaram calor extremo na cidade em que moram, 44% sofreram com enchentes ou inundações e 36% com deslizamento de terra.
Somado a isso, relatório recente da Organização Internacional para Migrações (OIM) colocou o Brasil como líder, na América do Sul, em casos de deslocamento humano por conta de desastres naturais. Em Mato Grosso, a política de flexibilização das regras de proteção ambiental é uma realidade, assim como no RS. Nos últimos anos, tornou-se comum Executivo e Legislativo trabalharem juntos na alteração ou proposição de leis mais brandas.
A justificativa é a de desburocratização e fortalecimento das principais atividades econômicas do estado (agropecuária, mineração e geração de energia). Há de se ressaltar que, de fato, essas áreas merecem a atenção do poder público, diante de tamanha importância para o nosso desenvolvimento. Todavia, a expansão econômica não pode se transformar em um processo que ameaça nosso ecossistema.
Recentemente, foi aprovada na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) a exploração mineral em áreas de reserva legal. Também está em vigência a Lei do Pantanal que libera a pecuária extensiva na planície alagável. Em abril, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) anulou o decreto de criação do Parque Estadual Cristalino II, uma das unidades de conservação mais importantes da Amazônia mato-grossense.
Hoje, Mato Grosso já convive e está tendo que buscar soluções para uma previsão de quebra de safra de soja de mais de 20%, oriundo dos impactos climáticos sofridos no último ano. Além disso, uma nota técnica feita pela Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, em 2023, aponta que de uma lista com quase 2 mil municípios brasileiros com riscos de desastres climáticos 40 são de Mato Grosso.
Outro dado preocupante foi divulgado neste mês pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Segundo a instituição, nos primeiros seis meses de 2024, o número de focos de incêndios no Pantanal chegou a 1.193, um aumento de 1.025% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Esse é o segundo maior índice desde 2010. Somente em MT, que abriga cerca de 40% do bioma, foram 495 registros.
Esses são alguns exemplos de alterações feitas na legislação ambiental do nosso estado mostram que a predisposição em flexibilizar as leis de proteção pode até parecer, a princípio, financeiramente vantajosa. Mas, como estamos acompanhando no Rio Grande do Sul, suas consequências sempre chegam e podem ser muito mais prejudiciais, tanto economicamente quanto humanitária.
*Drº Alberto Scaloppe é advogado do escritório Scaloppe Advogados Associados, em Cuiabá