OPINIÃO

Em busca da empatia perdida na educação

por Fernando Murilo Bonatto

21 de Julho de 2024, 09h13

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Divulgação

Sobreviver à escola regular é tarefa pobre de todo autista que vive a pequena falsa e pobre inclusão. Para vocês pessoas estudadas, experientes, verdadeiramente o que é inclusão? Muitas respostas virão, muitas poderosas respostas de muito blá, blá, blá...onde ficaremos com pobre verdade travada na garganta. Discursos de “temos de vencer as diferenças, todos aprendemos com o diferente”, nesse caso eu seria o diferente. Todos pensam no papel bonito, cheio de palavras sentimentais, lindas, sobre a inclusão. Tantos papéis para justificar minha permanência em escola regular. Tantas pessoas falando sobre direitos de pessoas com deficiência. Mas porque falamos em direitos? Porque temos de esfregar muitas vezes papéis e leis em escolas para sermos aceitos? Porque viver em sociedade é uma luta de criar papéis bonitos com leis bonitinhas, se homens que as criam são muitas vezes os que apontam as poderosas e inescrupulosas verdadeiras barreiras invisíveis da inclusão de fachada.

Eu falo por mim, por minhas observações. Fui sempre aluno da inclusão de fachada. Podem ver minha história. Fui pertencente à escola que não sabia o que fazer comigo há mais de 10 anos atrás. E ainda não sabe o que fazer com novos "Murilinhos". Murilinhos são as poderosas tempestades em escolas tradicionais e de vida padrão. Somos alunos indesejados por maioria de professores. Damos trabalho a profissionais que já trabalham muito. Somos inquietos, problemáticos, podemos ser, de verdade, imprevisíveis em crise. Mas somos pessoas.  De verdade isso importa? Verdadeiramente vocês se importam com todo tipo de aluno? Alguns sim, muitos depende, raros com verdadeira empatia. 

Poderia falar muito sobre minhas faltas pedagógicas, sobre minha dificuldade em escrever, sobre minha dificuldade em pôr letras em papel sem organizar palavras. Poderia falar que isso foi culpa da minha, de verdade, escola que falhou comigo. Poderia falar sobre minha falta de preparo para vestibular. Mas apontar minha incapacidade e apontar culpados é leviano. A escola, à sua maneira, sempre me respeitou. Respeito humano sempre tive, apenas com raras exceções, mas respeito acadêmico pouco tive. Culpa de quem? Culpa de uma mente presa em não saber como pôr para fora, ou culpa de mundo inteiro que não conseguia me decifrar? 

Entendem? Culpar minha pobre deficiência é mais fácil. Culpar meu atraso cognitivo também. De verdade, estamos muito longe de decifrar mistérios autistas, principalmente dos autistas de suporte maior. Mas somos pessoas com mentes que podem evoluir. Talvez nossa evolução não seja como a esperada. Talvez sejamos uma pedra bruta que pode ficar presa em caverna, ou sermos libertos e lapidados. A lapidação é processo para quem sai da caverna. Sair é o primeiro passo. As crianças autistas precisam explorar mundo. O mundo além da caverna escura das limitações.

Mas tirar filhos brutos da caverna é enfrentar desafios e muitas dificuldades até achar a luz e caminhar até poder achar local de lapidação. Sobreviver fora da caverna é saber que, primeiro, todo autista que pensa em seguir em escola precisa ser lapidado e ser pertencente à sua evolução. Primeiro seus pais buscam seu autista preso em caverna, fazem uma estrutura de estimulação. Fazem terapias, fazem da casa um bom lugar de treino de habilidades e procuram uma escola empática nessa transformação. Autistas precisam de vivencias fora de suas cavernas. Autistas precisam ser lapidados. Uma joia não é joia se ficar bruta. A brutalidade do autismo deve ser combatida na primeira infância, tudo depois vai ficando mais difícil de ser pertencente à retirada de camadas. 

A escola é vilã ou vítima da inclusão de falhada? Primeiro falo, a escola é vilã por se fazer de vítima. E vítima por se fazer de vilã. A escola é feita de pessoas. Pessoas são vilãs ou são heróis da educação. Mas jamais serão vítimas por serem pessoas presas a um emprego. Ninguém te força a ser professor. Pessoas sabem da situação de nossas escolas. Ficar reclamando é ter falta de verdade na profissão. E somente a reclamação traz vontade de fazer diferente ou vocês professores serão eternos reclamões?

Esse sistema de inclusão lapida pouco alunos que são muito comprometidos. Sabem por quê? Porque muitos ficam com medo de nossos comportamentos. É difícil ver um autistão em crise. A contenção é final de linha. Mas muitos professores não sabem como evitar gatilhos. E falo, professor sozinho não consegue. Por isso, precisamos de acompanhantes que nos entendam, nos apoiem e nos ajudem em sala. Sozinhos somos bombas a estourar. Sozinhos ficaremos brutos e perdidos. Com apoio teremos a chance de progredir em escola.

Aí volto ao papel bonito, que diz segundo famosa lei da inclusão: “todo autista precisa de acompanhante em sala se essa for sua necessidade.” Falo, não copiando a lei aqui, mas interpretando ela. Essa lei é a famosa lei bonita que muitos aplaudem e poucos entendem. Sempre seremos pessoas com deficiência diz essa lei. Mas muitos camuflados não precisam de um acompanhante. Assim vemos que bom senso é melhor que leis refutadas ou usadas a bel prazer. 

Falar sobre inclusão é mexer na ferida aberta de infinitas famílias. Por que é tão difícil sermos lapidados em escolas, sem feridas abertas em nossas famílias? Não gostaria de me fazer de vítima. Não gosto desse papel de vítima. Fico sem pertencimento ao vitimismo. Sempre busco, do meu jeito pertencente à vida autista, levantar a cabeça após fiasqueira ou crise. Levantar e seguir. Sou aluno sobrevivente, mas que na sobrevivência soube ser ferramenta da própria lapidação. Não fui boneco autista de vida pequena. Fui além da escola. Fiz de escola, e faço ainda, uma grande e boa vida de observação comportamental. 

Pude melhorar comportamento observando outros. Não quer dizer que pretendo ser camuflado, mas que posso ser pertencente socialmente sem ser o tão desprovido de boas maneiras. Sim, a escola modula comportamentos se aluno tem modulação em casa também. Inclusão é besteira se pensarmos em amplitude educacional.

Alunos com deficiência entram pequenos nas escolas regulares. Com a passagem dos anos muitos vão ficando pelo caminho da lapidação. Faltam trabalhadores. Aos acompanhantes, faltam poderosas e simples adaptações, faltam presença de verdadeira vontade. Não penso que fui privilegiado em chegar ao ensino médio. Fui pertencente à minha lapidação. Deixei a minha lapidação acontecer. Sou aluno da escola regular. Não uso falar que sou aluno de inclusão. 

Inclusão é palavra bonita de lei. Mas nem toda lei é vivenciada em plenitude. Leis existem por sermos sociedade pertencente a bobagem do mundo sem bondade e sem verdadeira empatia. Leis são para pessoas sem poder evolutivo. Leis são o fracasso ético da sociedade. Quanto mais blá, blá, blá de textos, mais confusa fica a entrada de alunos deficientes na escola. 

Sou feliz por ser resistência a um sistema excludente. Sou grato por ser acolhido e respeitado. Sou de verdade pertencente ao anarquismo escolar. Explico, poder estar em escola regular me permitiu ouvir infinitas aulas e pensamentos diferentes. Estes pensamentos formam minha base. Mas aí vem meu anarquismo mental. Sempre vou buscar pensamentos próprios e verdadeiros para mim. E isso é minha capacidade. Pensar é minha capacidade, mas todos temos capacidades. Ser autista é desafiador para todos. Ser autista é desafio para todo autista também. Eu, pertencente à escola posso falar, ser aluno com autismo e não falante é desafio para qualquer profissional. Mas penso, sempre haverá evolução se houver empatia.

Sobre minha escola falo: eu sou muito bem tratado hoje. Mas já sofri com muita falta de empatia. Já me senti bobo. Mas todo momento de perda de vontade em ser resistência fui socorrido por meu diretor. Sem ele, ou sem pessoas que abram a mente para nossas demandas, somos verdadeiros ETS tentando nos conectar com escola hostil. Com boas ações podemos nos conectar à nossa maneira.

Sou exceção em ser aluno autista não falante em escola regular. Mas sou prova viva de que é possível. Sou aluno da escola pública. Sou aluno de resistência à exclusão. Por isso falo, blá, blá, blá é para um pertencente à pequena vida sem realidade de exclusão. Blá, blá, blá é meu cansaço em falar e comprovar que tenho a liberdade em frequentar a escola escolhida por meus pais. Liberdade é a evolução social.  E empatia é a verdade em mundo atípico. 

Ser um autista é ser um poder a ser lapidado. Sem medo do trabalho. Escola é engrenagem nesse processo. Pode apenas representar o brilho ou a quebra dessa pedra preciosa. Pais, sem medo de feridas, tirem filhos das cavernas da escuridão. Busquem  a evolução de seus filhos. Escola jamais será fácil enquanto houver inclusão. Será mais acessível quando falarmos em modelos empáticos e deixarmos de falar em modelos de inclusão. Inclusão para mim só existe por haver exclusão. E isso é o que penso. 

*Fernando Murilo Bonatto é escritor com transtorno do espectro autista.