OPINIÃO
Nu(bank), BC e os ativos intelectuais
22 de Dezembro de 2025, 06h10
A recente Resolução Conjunta nº 17 do Banco Central (BC) e do Conselho Monetário Nacional (CMN) agitou as fintechs brasileiras: ficou vedado o uso dos termos "banco" ou "bank" nos nomes de empresas sem autorização para funcionar nessa modalidade. Nubank, PagBank e dezenas de outras instituições de pagamento têm 120 dias para apresentar um plano de adequação e um ano para executá-lo completamente.
A decisão do Nubank veio rápida: no dia 3 de dezembro anunciou que vai pedir licença bancária no Brasil. Entretanto, há um detalhe que poucos perceberam e que quase serviu de plano B: a empresa se preparou sem saber que precisaria. Desde 2014, o Nubank mantém registrada a marca "Nu" no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e vem fortalecendo o termo na mente das pessoas.
Hoje, com cerca de 470 processos no INPI e status de marca de alto renome desde 2021, a fintech construiu um portfólio que permite uma transição suportável. Enquanto isso, fintechs sem estratégia de proteção enfrentam um rebranding forçado que pode custar identidade, clientes e milhões em reconstrução. E não para por aí: há outra transformação em curso, menos visível e potencialmente mais impactante.
Trata-se da consolidação de ativos de propriedade intelectual (PI) como garantia em operações de crédito. Em novembro, durante o seminário "IP Finance 2025", INPI, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e setor financeiro debateram como viabilizar o uso de marcas e patentes como colateral.
Atualmente, pela regulação Basileia III, bancos exigem liquidez e valoração padronizada, critérios que a PI ainda não atende plenamente no Brasil. Mas a Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual trabalha para o desenvolvimento de metodologias de valoração, criação de fundos garantidores especializados e capacitação do setor financeiro. Em três a cinco anos, marcas registradas poderão funcionar como garantia real em financiamentos, o que reduzirá juros e ampliará acesso a capital.
E os números mostram que empresários já perceberam o valor estratégico da PI. No acumulado do ano, comparando novembro de 2025 com o mesmo período de 2024, houve crescimento de 14,7% em pedidos de marcas. Inclusive, somente neste ano, foram solicitados 471.515 pedidos até novembro, mas apenas 150.604 concessões, queda de 1% em relação a 2024. Ou seja, nomes exclusivos e estratégicos estão cada vez mais escassos.
Ao mesmo tempo em que o mercado financeiro estrutura o futuro, empresas já monetizam propriedade intelectual hoje através de licenciamento, venda de portfólios, franquias e transferência de tecnologia, entre outras oportunidades. Marcas registradas geram royalties, patentes viabilizam parcerias estratégicas, desenhos industriais protegem diferenciação competitiva, e os benefícios continuam.
Aliás, há outra dimensão pouco explorada: segundo o Código Civil Brasileiro, ativos de PI são bens móveis. Isso significa que podem ser usados como penhor (garantia real), garantia em recuperação judicial e até mesmo partilhados em processos de divórcio. Uma marca consolidada ou patente valiosa integra o patrimônio empresarial e pessoal com efeitos jurídicos concretos, desde negociações com credores até inventários e partilhas.
Não à toa, empresa que cresce e escala tem capacidade de converter conhecimento em ativo jurídico. E ativo jurídico em proteção patrimonial e vantagem comercial. Logo, existem três perguntas que todo empresário deveria fazer hoje: minha marca está registrada? Tenho alternativas protegidas caso precise mudar? Quando bancos aceitarem PI como garantia, meu portfólio estará documentado e valorizado?
Quem age hoje protege identidade, garante exclusividade e acessa oportunidades futuras. Quem adia, paga o preço mais alto: reconstruir do zero sob pressão regulatória ou perder financiamento por falta de garantia. O cenário mudou. PI deixou de ser burocracia jurídica para se tornar infraestrutura estratégica. Não se trata mais de se questionar sobre precisar registrar, mas sim sobre o quanto vou perder se não fizer isso agora.
*Cristhiane Athayde, empresária, fundadora da Intelivo Ativos Intelectuais e diretora de integração da ASPI em Mato Grosso