OPINIÃO
A educação corporativa em Assessoria de Imprensa para executivos e empresários
22 de Fevereiro de 2025, 06h01
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Boa parte dos executivos e empresários que se relaciona com a mídia muitas vezes não entende efetivamente a filosofia e o modus operandi do Jornalismo. Mesmo os tradicionais media trainings tão importantes para a o relacionamento e realização de entrevistas não são suficientes para os porta-vozes ou fontes entenderem as entranhas da profissão de jornalista, que aparentemente é muito simples e corriqueira.
A falta de conhecimento da operação de um veículo de comunicação tem criado frequentemente conflitos entre assessorias de Imprensa e seus respectivos clientes. Por isso, é preciso cada vez mais que executivos ou empresários participem de treinamentos corporativos mais profundos sobre o tema. Neles podem ser explicados critérios e detalhes de noticiabilidade, valor-notícia, gancho jornalístico, aspectos éticos/deontológicos, criticidade, separação ‘igreja-estado’ (publicidade e Jornalismo), tipologia jornalística e as delimitações dos gêneros jornalísticos informativo, interpretativo e opinativo, além de outros pontos essenciais para a compreensão exata da prática sistematizada de coletar, verificar e comunicar informações relevantes e verídicas para o público.
Muitos clientes de assessoria de Imprensa não entendem porque seus press-releases não são publicados na ‘grande Imprensa’ e quando contratam suas agências para relacionamento com a mídia jornalística não sabem exatamente como fazer isso para se beneficiar e ‘capitalizar’ o investimento feito na ferramenta. Não compreendem muitas vezes o que as redações dos veículos querem ou precisam, e o que naturalmente essas publicações não desejam jamais que cheguem até eles.
O media training que tem sido aplicado no setor é também relevante, mas ele faz apenas o recorte de alguns detalhes de um todo nas relações com a Imprensa. Os ‘treinamentos de mídia’ focam essencialmente nos aspectos de oratória, postura profissional, controle emocional, empatia, memorização, interações com jornalistas e informações elementares de operação da Imprensa. Um profissional competente do mercado corporativo, no entanto, precisa mais do que isso, hoje em dia, e os livros de Marketing também não tratam especificamente do assunto.
Da mesma forma que o guru, Phillip Kotler, definiu certa vez o Marketing, afirmando que ele poderia ser resumido em algumas horas, mas que levaria uma vida inteira para dominá-lo, o mesmo ocorre com o Jornalismo tradicional. A Imprensa tem contribuído com a sociedade por séculos em todo planeta. Ela é sempre submetida a vários filtros e crivos sociais, como a ética, legislação e anunciantes, por isso tem que estar comprometida visceralmente e continuamente com a audiência dela. Sua reputação é sua própria vida e é o que garante também sua própria existência.
Aparentemente o trabalho jornalístico pode parecer simples, mas não é. O repórter ouve e anota ou grava as repostas do que pergunta. A seguir começa a dar vida à reportagem no texto, processando o conteúdo, e depois é só tirar o excesso e polir a narrativa. Pronto. O trabalho está feito. Ninguém se lembra que nesse processo o tempo é curtíssimo e sem muitos minutos para reflexões, verificações ou retrabalhos. Há questões que pouco são percebidas no conteúdo da matéria jornalística, como, por exemplo, a parte jurídico-legal intrínseca e seus desdobramentos na opinião pública; influências na imagem e reputação das marcas e pessoas; e até dos riscos de arrependimentos nas declarações entre tantos outros aspectos, que podem gerar consequências de toda sorte.
O que a maioria não sabe é que cada palavra inserida, cada frase construída, e cada pensamento materializado em orações passam por inúmeras ‘fiscalizações’ e ‘burilações’ pessoais do repórter e dos editores. Há no Jornalismo um universo restrito de palavras que o redator pode dispor. Algumas palavras, por sinal, são expressamente proibidas.
Em geral o discurso jornalístico fica próximo das palavras faladas, mas está um pouco acima delas. Um redator, por exemplo, pode escrever “ele está com fome”, mas nunca “ele está sem nada no estômago”. O texto tem que ser simples, acessível, mas jamais simplório ou simplista, muito menos rebuscado. Por sinal, dizem que escrever difícil é fácil, mas escrever fácil é difícil. Em média, um parágrafo informativo não deve ultrapassar cinco linhas e uma frase inteira duas linhas. Na narrativa opinativa ou interpretativa o conteúdo pode ser maior. O rigor gramatical jamais pode ser ignorado também.
Redigir situações ou fatos é difícil, porque há sempre muito detalhes e condicionantes, que devem ser inseridos ou excluídos. Como uma vez datilografou o escritor e jornalista Fernando Sabino no prefácio de uma velha edição do Dicionário Aurélio: “Escrever é fácil, é só sentar-se diante da máquina de escrever e cortar os pulsos”. A verdade, é que um texto jornalístico tem que ter a capacidade de alcançar simultaneamente pessoas semianalfabetas e também cientistas do mais alto conhecimento. Na televisão e rádio isso é regra. No jornalismo especializado isso é um pouco mais flexível, dependendo do veículo ou editoria. Mas a busca pela chamada ‘difusão intensiva’, ou seja, chegar no entendimento de todos, é essencial.
Em entrevistas para atestar seu conhecimento há inúmeras fontes/porta-vozes que gostam de demostrar erudição. Isso é o pior que um entrevistado pode fazer a um repórter. Quanto mais professoral for o porta-voz/fonte e explicar o conteúdo para um jornalista de forma bem clara, compreensível, é sempre o melhor a fazer. A comunicação entre um profissional de Imprensa e seu entrevistado tem de ser fluida, cordial, direta, sem rodeios, e de mútua confiança. Um entrevistado também não deve imaginar que tem amigos na mídia por colaborar gentilmente com ela. Há interesses profissionais dos dois lados e cada um tem seu ‘dever de ofício’ a cumprir.
Um dos maiores erros que a esmagadora maioria dos executivos, empresários e outras pessoas que lidam com jornalistas é achar que o trabalho de assessoria de Imprensa é muito semelhante ao da publicidade ou marketing. É uma falha gravíssima. O trabalho de assessoria de Imprensa é sobretudo levar informação relevante no formato jornalístico aos meios de comunicação de massa para eles repassá-los à audiência e gerar conhecimento ou ajudar as pessoas nas suas tomadas de decisão. Se um veículo sério recebe um press release com cara de anúncio o e-mail nem será aberto ou irá diretamente para a área de ‘lixo’ do computador.
Apesar de publicarem matérias jornalísticas relevantes de veículos dos mais variados, as mídias sociais como plataforma de informação nem sempre o fazem quando divulgam um post. Às vezes por conter interesse malicioso ou maldoso do emissor a publicação pode ser simplesmente uma fakenews. Portanto, um post de redes sociais não é a rigor sempre Jornalismo ‘puro-sangue’. Desta maneira, é conveniente avaliar caso a caso. Às vezes, uma assessoria de Imprensa também realiza paralelamente esse serviço de gestão de redes sociais. De qualquer forma empregar distintamente mídias sociais e assessoria de imprensa pode ser uma boa combinação.
Para finalizar, estou recorrendo a um ilustre colega de profissão, o Águia de Haia, que além de jornalista, é um grande escritor, diplomata, jurista, político, etc., o Ruy Barbosa. Resumindo o que era (e continua sendo) a Imprensa ele declarou:
“A Imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que ameaça".
*Vera Lucia Rodrigues é jornalista profissional e mestre em comunicação social pela Universidade de São Paulo, e diretora da Vervi Assessoria de Comunicação, empresa que há 43 anos atua na área de comunicação corporativa.