FALTA DE LEITOS

Norte, interior do Nordeste e norte do Centro-Oeste têm menos leitos e condições de reagir à Covid-19, aponta levantamento

Análise da infraestrutura de saúde foi feita por cientistas de duas universidades do Brasil e uma dos EUA. Há uma dificuldade histórica no país para conseguir dados completos e atualizados, de acordo com cientistas.

por G1

22 de Maio de 2020, 07h26

Imagem: Reprodução / G1
Imagem: Reprodução / G1

O Norte, o interior do Nordeste e o norte do Centro-Oeste são as regiões mais desassistidas em leitos de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) do Brasil - antes e durante a pandemia. A análise foi feita por pesquisadores e leva em conta dados oficiais e a incidência da Covid-19.

O estudo é uma parceria entre a Universidade Duke, nos Estados Unidos, com a Universidade Estadual de Maringá e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A equipe fez uma pesquisa transversal, que é basicamente um desenho, uma foto de um determinado problema. Nesse caso, analisaram a infraestrutura de saúde no país e relacionaram com o enfrentamento à pandemia pelo Sars Cov-2.

Foram utilizados dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do monitoramento de Covid-19 do Ministério da Saúde. Para traçar um parâmetro e entender se uma determinada região estava ou não bem abastecida, os pesquisadores usaram os critérios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

"Usamos a Anvisa porque as referências mundiais são internacionalizadas, ou seja, uma referência da Organização Mundial da Saúde tenta abordar os padrões de saúde da Nigéria até o Reino Unido. Se a gente for aplicar o modelo da OMS pareceria que o Brasil estaria muito bem, mas não necessariamente. Escolhemos o nosso próprio padrão de referência", explicou o pesquisador João Ricardo Nickenig Vissoci, que assina o estudo pela Universidade Duke.

Situação das UTIs em fevereiro

Esta primeira análise de dados mostra uma "fotografia" com os dados de como era a situação do Brasil e de seus leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em fevereiro de 2020. Para conseguir traçar uma referência, os cientistas usaram o seguinte critério: nesta região, os pacientes têm acesso a um leito a uma distância que demore menos de 2 horas de deslocamento?

O Brasil de fevereiro, como mostra o gráfico acima feito pelos cientistas, mostrava uma situação histórica onde a região Norte, Nordeste e parte do Centro-Oeste apresentam uma deficiência de UTIs para atendimento. De acordo com Vissoci, o debate é antigo e não é exclusivo aos leitos. Nestes locais temos menos médicos, equipamentos, e infraestrutura de saúde em geral.

"É um problema que a gente tenta reportar há muito tempo, a gente tem muitos estudos sobre isso, sobre a deficiência de atendimento no interior do país, no Norte e no Nordeste".

O pesquisador explica que o critério de ter um leito a 2 horas de onde está a população foi adotado também para evitar uma distorção nos números, já que de fato o Norte tem uma população menor do que o resto do país.

"É o problema real do acesso. Nessas regiões as pessoas precisam viajar 8 horas para chegar ao hospital. Usamos um método que leva em conta a taxa de oferta de acordo com a demanda populacional", explicou o autor.

Chegada da Covid-19

A chegada da pandemia ao Brasil passou a exigir com urgência a criação de novos leitos para atendimento de pacientes com a Covid-19. O governo federal, estados e municípios fizeram investimentos. O próximo mapa mostra quais regiões foram mais privilegiadas.

"Temos áreas de calor e de frio para os novos leitos de UTI criados a partir de fevereiro. O Norte foi a região menos favorecida para receber novos leitos desde o início, independente de como a pandemia tem avançado na região. Assim como o interior do Nordeste e o norte do Centro-Oeste", disse Vissoci.

O avanço do Sars CoV-2 cresce nas cidades menores. Um outro estudo, feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aponta que um aumento de 50% no número de casos em cidades com até 50 mil habitantes. Elas são, de acordo com Vissoci e sua equipe, as regiões menos equipadas e favorecidas - justamente em um período de pandemia em que há necessidade de redução do deslocamento.

Subnotificação e incidência

Em série de reportagens do G1, há um acompanhamento de uma subnotificação dos casos de mortes devido à Covid-19. Dados da plataforma Infogripe, também da Fundação Oswaldo Cruz, mostraram no final de abril que as mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), incluindo as sem identificação do tipo de vírus, superam a média dos últimos 10 anos.

Neste último gráfico, a equipe de pesquisadores mostra essa tendência de subnotificação em algumas regiões - há uma área de vazio de dados em branco também de infraestrutura de saúde, além dos registros do coronavírus de casos e mortes. Em vermelho, são pontos com dados em que a situação é mais crítica.

"Fizemos uma tentativa de sobreposição. São dos dados de leitos no país, antigos e novos, mais a taxa de incidência da Covid-19. Há um vazio existencial de dados em branco, e é justamente aí onde vamos ter mais problemas", explicou o pesquisador da Universidade Duke.

"Se está sem pontos, ou está protegido demais, ou está bastante subnotificado. Não temos informação de qualidade nestas regiões. É isso que queremos mostrar neste mapa. Manaus está em colapso e não está tudo bem no Paraná. O estado de Santa Catarina começou com um bom isolamento, mas relaxou", completou.

Os cientistas que assinam o artigo, ainda em análise para publicação em revistas científicas, dizem que o estudo tem deficiências. A primeira delas é que os dados disponíveis e abertos pelo governo muitas vezes não são atualizados com uma frequência que está de acordo com a realidade em tempo real. A defesa é que "são os melhores dados que temos no Brasil atualmente".

Além disso, a contagem de novos leitos foi feita até abril. O mês de maio com as novas UTIs e respiradores implementados pelo governo não estão incluídos.