OPINIÃO

O Retrocesso que Ameaça o Garimpo Sustentável em MT

por Pamela Cigerza Alegria

23 de Junho de 2025, 06h00

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Divulgação

Uma sexta-feira treze trouxe preocupações para o setor mineral brasileiro, gerando inseguranças, e uma sensação nada auspiciosa para a mineração de média e pequena escala.

A edição da Resolução nº 208/2025 pela Agência Nacional de Mineração (ANM), publicada nessa data, trouxe à tona uma grave preocupação jurídica e social: a drástica redução do limite de área para Permissão de Lavra Garimpeira (PLG). A nova norma passou a limitar a 50 hectares globais por pessoa física ou firma individual e 1.000 hectares globais para cooperativas. A medida, embora apresentada como um mecanismo de “controle” e “eficiência regulatória”, configurou, em minha análise, um retrocesso normativo com fortes indícios de inconstitucionalidade.

O regime de PLG é regulamentado pela Lei nº 7.805/1989, que estabeleceu claramente os limites máximos de área. Ao restringir esses limites por meio de resolução, a ANM teria ultrapassado sua função regulamentar e invadido competência legislativa, violando o princípio da legalidade estrita (art. 5º, II, da Constituição). Não se podia admitir que uma agência reguladora, ainda que com papel técnico relevante, editasse norma infralegal para restringir direitos garantidos em lei. A Lei nº 7.805/1989, em seu art. 2º, definiu o limite máximo de 50 hectares para cada permissão de lavra garimpeira. A Resolução 208/2025, ao restringir esse limite de forma global, inovou o ordenamento jurídico de maneira questionável. A ANM, como autarquia reguladora, possuía competência para normatizar a execução da legislação mineral, mas não para alterar limites legais estabelecidos em lei.

Além disso, a ausência de consulta pública ampla, de diálogo com cooperativas e mineradores, e de qualquer estudo de impacto socioeconômico revelou a falta de proporcionalidade da medida. Em Estados como Mato Grosso, onde a PLG era não só uma atividade econômica, mas também um instrumento de inclusão social, a nova regra ameaçava a subsistência de milhares de famílias, principalmente nas regiões de Juína, Aripuanã, Nossa Senhora do Livramento, Peixoto de Azevedo e Poconé.

A redução de área dificultava a viabilidade econômica de operações garimpeiras legalizadas, comprometia cooperativas estruturadas e poderia incentivar o retorno à informalidade. Pequenos garimpos, que já operavam com margens reduzidas, seriam diretamente afetados, enquanto grandes estruturas tenderiam a se beneficiar da exclusão dos menores concorrentes.

Curiosamente, os impactos da resolução afetavam sobretudo os pequenos e médios agentes. Grandes estruturas empresariais, com capacidade técnica e financeira para migrar para regimes mais complexos de lavra, seguiam operando sem grandes restrições. Na prática, observou-se uma medida que favorecia a concentração da atividade mineral, enfraquecendo a atuação das cooperativas e dos garimpeiros independentes. Isso limitava o exercício da profissão do garimpeiro conforme seu estatuto próprio.

O caminho jurídico mais adequado, à época, teria sido o ajuizamento de ações coletivas por parte de associações representativas do setor, visando à suspensão dos dispositivos da Resolução nº 208/2025 que reduziam o limite de área. Também se tornou urgente a abertura de um processo de revisão participativa na ANM, com o envolvimento de Estados mineradores, universidades, cooperativas e órgãos de fiscalização ambiental.

A mineração artesanal e de pequena escala no Brasil sempre precisou de regulação, mas jamais à custa da legalidade e da função social do direito. O que se esperava de uma agência técnica como a ANM era a construção de normas justas, seguras e dialogadas, não medidas autoritárias que criassem insegurança jurídica e institucional.

Pamela Cigerza Alegria

Advogada, especialista em Direito Minerário. Atua na defesa da mineração brasileira, incluindo cooperativas e pequenos, médios e grandes mineradores.

Sócia do Escritório Ferreira Alegria Advogados Associados