ROSANA LEITE

Queridas avós

por ROSANA LEITE

24 de Novembro de 2020, 08h10

Rosana Leite   Imagem: Reprodução
Rosana Leite Imagem: Reprodução

Os finais de ano me trazem suaves e gostosas recordações de duas mulheres que em muito contribuíram para a minha formação. Falo das avós paterna e materna, Laura e Modesta. A primeira da década de 10 e a segunda da década de 20. 

Com elas pouco convivi, porquanto, viemos para Cuiabá ainda na minha primeira infância. As duas viviam em municípios contíguos de Mato Grosso do Sul. Vó Laura viveu em Anastácio/MS, e a Vó Modesta em Aquidauana/MS. As férias eram com elas.

Ficava constantemente na casa da avó materna, já que ela tinha apenas duas netas e um neto. Já a avó paterna possuía muitos netos e netas, para lá de 40. Esperava ansiosamente a chegada das férias para com elas poder estar. Vó Modesta com seu espírito jovem e brincalhona, fazia daquela época verdadeira felicidade.

Cozinheira de ‘mão cheia’, aguardava a nossa chegada com o seu inigualável rocambole de chocolate. Amava agradar a todos e todas. Sua casa era repleta de pessoas a tomar do seu café e chimarrão aos finais de tarde. 

Dona Modesta ou ‘Destinha’ para os mais íntimos e íntimas, na juventude foi costureira e contribuiu financeiramente na criação do seu filho e das duas filhas.

Risonha, adorava contar piadas e jogar canastra nas horas vagas. Amável, mas, com personalidade bastante forte, soube se afastar do companheiro quando entendeu que a vida a dois não estava lhe sendo proveitosa. Viveu mais de 20 anos sob o mesmo teto com aquele que foi o seu amor e havia se tornado amigo, mesmo em quartos separados, quando como amantes já não era mais possível.

Já a avó paterna, com tamanha responsabilidade de cuidar e educar 13 rebentos, se perfazia em pessoa bastante calada e centrada. Não trago recordações de a ver extremamente sorridente, mas o seu carisma era real. Pensava muito para falar algo. Viveu durante a sua existência como encarnada com o seu grande amor, sem dúvida. Era fácil perceber olhares lindos de extremo bem querer entre ele e ela.

Dona Laura ou ‘Laurita’, marcada pelo bócio há muitos anos, tinha a sua renda na venda de verduras e ovos caipiras que produzia no seu local de moradia, uma pequena chácara. Muitas vezes por lá estávamos e pessoas da comunidade batiam palmas com a finalidade de adquirir da referida produção.

As duas amadas avós pouco conviviam entre elas. Todavia, algumas vezes consegui as reunir. Ambas tinhas rotinas diárias diversas. Vó Laura fazia o seu delicioso bolo de laranja no forno à lenha todas as tardes, aproximadamente às 16 horas, e servia com café. Vó Modesta me levava para passear na casa da outra avó ao poente. “Filha, vamos lá na Laura para que brinque um pouquinho naquele agradável quintal. ” Claro, provávamos do famoso bolo de laranja.      

Certa vez, em um desses encontros fique admirando-as de longe. Não ouvi o que conversavam. Porém, a Vó Modesta arrancava sorrisos discretos da Vó Laura. Parei, mesmo com pouca idade, um lapso de tempo as fitando. Lá estava a minha origem. Como eram diferentes! E como eram maravilhosas!

Passaram pela existência a fazer o bem sem olhar para quem. Foram casadas com homens, também, quem em nada se pareciam, e que muito as respeitaram.

No mês de novembro a Vó Laura renovava o seu ciclo, e a Vó Modesta em dezembro. Não tive a oportunidade de conversar com nenhuma delas sobre os direitos humanos das mulheres, mas, certamente, elas praticavam naturalmente. Hoje as falaria que aniversariavam nos meses em que se comemora os 16 Dias de Ativismo, que é de grande importância para o movimento de mulheres.

Elas viveram na pele a primeira, segunda e terceira ondas feministas. Não me falaram de feminismo. Entretanto, as foram em essência.  

A ancestralidade feminina experimentou o patriarcalismo descomunal. A elas todo o nosso reconhecimento... 

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.