OPINIÃO

Para atingir meta estipulada pelo Marco Legal do saneamento, mercado precisa investir em tecnologia e dados

por Patrick Baudon

25 de Agosto de 2023, 13h33

None
Divulgação

Com a meta de que, até 2033, 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto, o Marco Legal do Saneamento, em vigor desde julho de 2020, completou três anos. De aumento do investimento à inclusão da iniciativa privada, o mercado evoluiu consideravelmente de lá para cá.

Até 2022, o Marco Legal havia gerado cerca de R$ 72,2 bilhões em investimentos para o setor, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). A nova regulamentação garantiu recursos com a realização de concessão de serviços sob as regras da nova legislação. Ao todo, 19,3 milhões de pessoas foram beneficiadas em 212 municípios com as licitações, que ocorreram, principalmente, nos estados de Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Amapá e Rio de Janeiro.

A medida impôs algumas mudanças ligadas à nova meta. A obrigatoriedade de licitações e a permissão da iniciativa privada de competir nesses processos, além da exigência de que as empresas comprovem a capacidade financeira para viabilizar a meta estipulada, foram algumas delas.

Essas alterações possibilitaram um cenário favorável para promoção de renovações do setor, viabilizando um ambiente de maior concorrência entre as companhias.

Nesse cenário mais competitivo, o solo ficou fértil para o surgimento de novas iniciativas, tanto de empresas públicas, quanto privadas. O marco reacendeu holofotes voltados a demandas represadas, além de chamar atenção para pendências relacionadas à gestão de recursos hídricos, tratamento de água, reserva e a distribuição de água, assim como a coleta e tratamento de esgoto, que precisam ser resolvidas para o cumprimento da meta.

O uso de tecnologia no setor, por sua vez, foi impulsionado, visto que o marco acelerou iniciativas ligadas à inovação, gestão de clientes e automação dos processos. Contudo, a velocidade de desenvolvimento é uma questão que ainda demanda mais atenção.

Apesar da meta estipulada, conforme o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), quase três anos após a aprovação do novo Marco Legal, mais de 35 milhões de brasileiros ainda vivem sem água tratada e mais de 100 milhões não têm coleta e tratamento de esgoto. Nesse sentido, qual seria o próximo passo para acelerar os resultados e alcançar o objetivo dentro do tempo estipulado?

Inteligência de dados é a maior aliada do setor
A princípio, compreender o cenário e como se comporta cada projeto para dar direcionamento aos investimentos de maneira inteligente é a medida mais urgente, pois indicará quais iniciativas demandam maior atenção e precisam de uma resolução rápida de problemas. E um dos principais aliados nessa trajetória é o uso da inteligência de dados.

O investimento em uma tecnologia capaz de registrar de maneira precisa informações relacionadas ao consumo, tempo de uso de certos equipamentos e monitoramento de consumo em tempo real de inúmeras variáveis, auxiliam na compreensão do ambiente e garantem tomadas de decisões mais assertivas.

Plataformas de dados que permitam o desenvolvimento de soluções, a otimização dos processos, a criação de novos modelos de negócio e novas experiências dos clientes são exemplos de ferramentas imprescindíveis nesse contexto de inovação e busca pela universalização do saneamento básico no país.

A partir dos dados captados por sensores de IoT, por exemplo, é possível termos uma gestão efetiva dos dados operacionais e trabalharmos com preditividade para o combate de perdas na distribuição de água, automatizar o processo de medição por meio de medidores inteligentes ou mesmo monitorarmos a disponibilidade de água, acelerando processos internos que garantem uma geração de dados precisos, trazendo a possibilidade da implantação de soluções SmartGrid no setor.

Fora isso, o investimento em tecnologia não deve estar ligado apenas a aparelhos físicos, mas também a softwares que auxiliarão na gestão de informações. Nesse sentido, potencializar as plataformas de dados via ferramentas, funcionalidades, técnicas e processos que garantam uma maior governança na gestão do ciclo de vida dos dados é extremamente importante.

Pensando na integração, consumo e exposição desses dados com segurança e agilidade, a adoção de plataforma de gestão de APIs também se apresenta como fundamental, seja para consumir informações externas para determinada análise, ou mesmo expor informações e serviços ao “mundo externo”. Envolver parceiros de negócio para oferecer serviços não regulados, por exemplo, visando novas receitas, ou explorar - por meio de aplicativos e sites - informações e insights gerados, só é possível graças à aplicabilidade do ecossistema de APIs.

A inovação, portanto, depende do trabalho junto a vários parceiros, universidades, instituições de pesquisas, entre outros, e é fundamental adotar uma mentalidade API First para facilitar a interação entre esses atores, assim como agilizar a jornada que vai desde a conceitualização dos problemas e ideias até a implantação e disseminação da tecnologia inovadora.

Entretanto, o investimento em tecnologia da informação ainda é considerado relativamente baixo no setor do saneamento nacional, que muitas vezes precisa priorizar problemas mais primários, como a própria infraestrutura, e lidar com as barreiras do limite financeiro.

Diante desse cenário, o mercado de saneamento é uma fatia que ainda se utiliza pouco da tecnologia disponível na atualidade, tendo ainda poucas empresas com capacidade de possuir e implementar as inovações que estão ao nosso alcance. Nesse sentido, ainda surge o desafio de captar dados de sistemas básicos, devido a plataformas ultrapassadas que, atualmente, estão em operação.

Apesar da democratização da tecnologia no setor ainda ter muito a evoluir, o momento atual é ideal para direcionar os olhares e, principalmente, investimentos em inovação e soluções que serão o piloto central na geração de valor. Embora o mercado já tenha evoluído significativamente, devemos ter a tecnologia como um grande habilitador para que essa trajetória rumo à universalização do saneamento básico no país seja possível.

*Patrick Baudon é Diretor Comercial do mercado de Energy & Utilities na Engineering Brasil. Formado pela Universidade de São Paulo (USP), o executivo acumula mais de 15 anos de experiência.