MAMATA

Fim da regalia dos tempos de Lula e Dilma pode levar cervejaria ao fechamento em Rondonópolis

Grupo Petrópolis fez anúncio de demissões e possibilidade de fim das atividades. Histórico da empresa acumula escândalos e prisões na Operação Lava Jato

por Robson Morais - De Rondonópolis

26 de Maio de 2020, 15h30

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Divulgação

O anúncio de demissão em massa e possível fechamento de portas feito pelo Grupo Petrópolis - detentor de marcas como a Cerveja Itaipava, entre outras- em Rondonópolis causou furor tanto nas redes sociais quanto na imprensa. A empresa alega dificuldades por conta da anulação judicial de incentivos fiscais, o que “torna a operação pouco competitiva”, fato ocorrido em meio a pandemia do novo coronavírus. Quase 750 empregos diretos estão ameaçados por conta da possibilidade do fim de uma empresa gigante. Gigante na produção, sim, mas também no recebimento de dinheiro do governo e envolvimento em escândalos ao longo de sua história.

Ainda no comunicado, o Grupo Petrópolis informa que que terá que demitir, a princípio, 179 funcionários em diversas cidades do estado, como Cuiabá, Alta Floresta, Água Boa, Juína, Pontes e Lacerda, Tangará da Serra e Rondonópolis, que por deter a grande maioria dos 1.516 empregados do estado, será a cidade mais afetada. “Reduzimos a carga horária, demos férias aos funcionários e procuramos alternativas, mas agora chegamos ao limite. Sem o apoio de antes, teremos que rever nossa operação no estado”, argumenta Marcelo de Sá, Diretor de controladoria, em reportagem publicada nesta terça-feira (26) pelo A Tribuna.

Segundo informações de assessoria do grupo, a mesma foi atraída ao Mato Grosso graças ao Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (Prodeic) e pelas políticas públicas que visavam o desenvolvimento regional. Em abril deste ano, por decisão judicial, a empresa teve seu incentivo anulado. Além da fábrica em Rondonópolis, o Grupo Petrópolis possui no estado outros 17 centros de distribuição próprios. Desde a inauguração, a empresa já investiu mais de R$ 600 milhões no Mato Grosso, tendo folha de pagamento superior a R$ 104 milhões anuais.

O Grupo Petrópolis se diz, agora, surpreso com o fim do incentivo fiscal do governo. Pesquisando os arquivos de reportagens locais e nacionais relacionadas à empresa e seu dono, o empresário Walter Faria, é fato que a beneficie por via política acompanha de perto a história da companhia.

Histórico de arrecadação e escândalos

Em 2019, a força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal no Paraná denunciou o empresário Walter Faria, do Grupo Petrópolis, e também Vanuê Antônio da Silva Faria, sobrinho de Walter, e Nelson de Oliveira por 12 crimes de lavagem de dinheiro, após supostamente terem recebido de operadores financeiros, entre 2006 e 2007, US$ 3.686.869,21 em contas secretas mantidas na Suíça.

Também naquele ano, no dia 5 de agosto, Walter Faria, se entregou à Polícia Federal (PF), em Curitiba. Ele era considerado foragido desde o dia 31 de julho, alvo da 62ª fase da Operação Lava Jato e tinha contra si um mandado de prisão preventiva expedido no âmbito da operação "Rock City", fase da Lava Jato que investigou o suposto pagamento de propinas disfarçadas de doações eleitorais e operações de lavagem de dinheiro feitas pelo grupo Petrópolis.

O empresário Walter Faria

Segundo as investigações, à época, comandadas pelo Ministério Público Federal (MPF), o Grupo Petrópolis teria auxiliado a construtora Odebrecht a pagar propina para políticos por meio de um esquema de troca de reais no Brasil por dólares em contas no exterior. As investigações tiveram início ainda em 2016, após ser encontrada uma planilha com nomes de políticos e referência à cerveja Itaipava na casa do executivo da construtora Odebrecht, Benedicto Junior.

De acordo com o apurado pelo MPF, Walter Faria e executivos do Grupo Petrópolis lavaram cerca de R$ 329 milhões de reais em contas fora do Brasil para a Odebrecht e, mesmo com a quebra do sigilo bancário dos investigados, as contas ligadas ao dono da Petrópolis no exterior continuaram sendo movimentadas em 2018 e 2019, conforme a investigação. Ele inda teria tentado usar o programa de repatriação de recursos de 2017 para trazer de volta ao país cerca de R$ 1,4 bilhão que foram obtidos de forma ilícita.

Prodeic

De 2018, reportagem assinada por Pablo Rodrigo, no Diário de Cuiabá, revelou investigação contra o Grupo Petrópolis por suposta fraude em prejuízo de R$ 800 milhões ao Estado de Mato Grosso e, ainda assim, continuidade dos incentivos do Prodeic.

Segundo a reportagem, um 2º termo aditivo assinado em 2012 pelo então governador Silval Barbosa o ex-secretário de Indústria, Comércio, Minas e Energia (Sicme), Pedro Nadaf, teria sido descoberto pelo governo Pedro Taques (PSDB) em maio de 2017. Um termo fraudulento.

Aloprados

Em 2017, o dono da Cervejaria Petrópolis foi envolvido pelo ex-executivo da empreiteira Odebrecht , Luiz Eduardo da Rocha Soares, que afirmou em delação premiada um esquema de propinas e pagamento de um dossiê falso contra o então candidato ao governo de São Paulo em 2006, José Serra (PSDB).  O referido dossiê associava o nome de José Serra na chamada "Operação Sanguessuga", ou "Máfia das Ambulâncias".

O caso na época ficou conhecido como o "Escândalo dos Aloprados", e envolvia membros do PT e empresários de Mato Grosso. O esquema tinha início após a sonegação de impostos da Itaipava, que repassa os tributos ao governo de acordo com a medição de um aparelho instalado nas tubulações da fábrica, e que mede a quantidade de cerveja produzida. A empresa fazia uma espécie de "desvio" no duto, de forma que boa parte de sua produção não era contabilizada e, consequentemente, não entrava no cálculo do imposto.

A venda da cerveja que não recolhia impostos - fato que para os órgãos fiscalizadores fazia com que a bebida, oficialmente, "não existisse" -, abastecia o chamado Caixa 2 (dinheiro não contabilizado e declarado de campanhas eleitorais) de políticos num acordo realizado entre Walter Faria e Benedicto Junior.

Lula e Walter Faria ao centro da foto

Lula e Dilma

Antes, em 2016, outra fase da Operação Lava Jato investigou se a então presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), participou ativa ou passivamente de um esquema de doação ilícita no montante de R$17 mi do Grupo Petrópolis. Segundo a denúncia apurada, a quantia doada seria para financiar a campanha à reeleição em 2014. A relação de Walter Faria com a cúpula petista sempre foi publicamente amistosa.

Em junho daquele ano, o jornal O Globo denunciou a doação de R$ 63 mi a campanhas de nove partidos. O dinheiro saiu de empresas ligadas ao mesmo Grupo. O destaque foi a aparição da gigante no "listão" da Odebrecht.

Mais antiga, outra reportagem publicada pela Revista ISTOÉ em 2015 denunciou que o empresário Walter Faria foi privilegiado em empréstimos a bancos públicos usando de sua influência política com o ex-presidente Lula e recebeu dinheiro do Petrolão.

Os documentos fornecidos a revista apontaram que o empresário doou R$ 24,8 milhões para o PT e seus aliados durante a disputa eleitoral de 2014. Entre 29 de setembro e 3 de outubro, Faria teria remetido R$ 17,5 milhões para a conta da campanha de Dilma Rousseff.

Mesmo com uma dívida de aproximadamente R$ 400 milhões na Receita Federal, o doador exemplar e amigo pessoal de Lula, conseguiu um empréstimo de R$ 375 milhões no estatal Banco do Nordeste do Brasil S.A (BNB) para construir uma fábrica na Bahia, em 2013.

Os documentos divulgados pela ISTOÉ evidenciaram também a ligação de contas na Suíça de Walter Faria com a propina de US$ 15 milhões pelo fretamento do navio-sonda Petrobras 10000, em 2006.

Os milhões de dólares, estopim da Operação Lava Jato, teriam sido fragmentados e depositados em diversas contas, a que recebeu o maior valor está em nome da Headliner Limited, empresa do “sr. Itaipava”, segundo os documentos. Faria, na época, negou qualquer ligação com a conta.

Em 2015, Faria e o Grupo Petrópolis foram alvos da Operação Zelotes, deflagrada em 26 de visando investigar um esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (CARF), órgão colegiado do Ministério da Fazenda, responsável por julgar os recursos administrativos de autuações contra empresas e pessoas físicas por sonegação fiscal e previdenciária. Lula também era alvo.

Lula, em evento promovido pela empresa

A lista segue

Em Rondonópolis, quinta maior do grupo no país, suspeita-se que tenha pagado propina disfarçadas de doação eleitoral para pelo menos dois ex-governadores e vários outros políticos poderosos do estado em troca da criação e manutenção de incentivos fiscais. Estima-se que o Estado deixou de arrecadar cerca de R$ 800 milhões em impostos com essas isenções.

De acordo com as investigações, o Grupo Petrópolis teria repassado ao menos R$ 3 milhões para a campanha eleitoral do ex-governador Pedro Taques (PSDB) e pagado cerca de R$ 2,5 milhões de dívidas de campanha do também ex-governador Silva Barbosa. A lista de beneficiários das "doações"da Petrópolis incluem os ex-prefeitos de Rondonópolis, Adilton Sachetti (PRB), que recebeu ao todo pelo menos R$ 600 mil da empresa, e Rogério Salles (PSDB), que recebeu R$ 150 mil por via indireta.

Os ex-governadores Pedro Taques e Silval Barbosa

CPI na ALMT

Considerada a maior beneficiada no Prodeic, a cervejaria Petrópolis deixou de repassar aos cofres públicos R$ 136 milhões somente em 2012, segundo levantamento feito à época pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).  Entre 2015 e 2016, a empresa foi alvo, ainda, de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Renúncia e Sonegação Fiscal aberta na Assembleia Legislativa do Estado (ALMT).