OPINIÃO
O lado que o Canva não mostrou
03 de Dezembro de 2025, 18h10
A internet parou recentemente para assistir Gracyanne Barbosa “lançar” Gracyovos: ovos de luxo embalados como joias, comercial digno de alta costura e suposto preço estratosférico. Influenciadores compartilharam "recebidos", haters criticaram, fãs queriam comprar. E então veio a revelação: era tudo propaganda do Canva.
A campanha foi genial. Crie sua marca em minutos. Só que enquanto aplaudia a criatividade, algo me incomodou profundamente: quantas pessoas vão abrir o Canva agora achando que em minutos terão uma marca registrável no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)? Quantas sequer sabem da importância do registro?
Como especialista em propriedade intelectual há mais de duas décadas, vejo diariamente empreendedores desperdiçarem tempo e recursos na tentativa de registrar "marcas" criadas em templates compartilhados. E o aviso jurídico que deveria estar em destaque? Esse fica escondido no regulamento, em letras miúdas.
Os elementos da biblioteca do Canva (ícones, templates, ilustrações) são licenciados para uso comercial em materiais de marketing, mas não garantem exclusividade para registro de marca. Em outras palavras: você pode usar no Instagram, no site, no cartão de visita, naquela apresentação decisiva. Agora, registrar no INPI como marca exclusiva? Não.
Logo feito com template Canva é como ovo de galinha normal: todo mundo tem igual. Afinal, a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) é clara. Não são registráveis sinais de caráter comum ou genérico, nem reproduções ou imitações de marcas alheias. Quando aplicamos isso ao Canva e ferramentas similares, temos problemas gigantescos.
Falta de distintividade, pois template usado por outros não é distintivo. O INPI pode alegar caráter genérico ou comum e negar o registro. Risco de colidência, tendo em vista que outra empresa pode já ter registrado logo similar, feito no mesmo template. Ou seja, reprodução de marca alheia. Impossibilidade de provar exclusividade: você montou com peças que 50 milhões de usuários têm acesso. Como comprovar originalidade?
Gracyovos viralizou, mas nunca seria registrável no INPI. Inclusive, o alerta vale para o uso de inteligência artificial (não configura criação original, nem significativa por... humanos). E indo além, aqui está o que separa campanhas de fogo de palha de marcas com legado duradouro: viralizar sem estratégia jurídica é efêmero. Marca registrada com branding consistente é patrimônio.
Vejo empreendedores investirem fortunas em tráfego pago, influenciadores e anúncios, mas negligenciando a base: uma identidade visual original e legalmente possível de proteger. Quando finalmente tentam registrar, descobrem que precisarão refazer tudo do zero. Clientes confusos, investimento perdido, reputação abalada. E sim, um ativo intelectual também tem valor de mercado.
No entanto, a solução existe (e não é complicada). O Canva é uma ferramenta excelente para o que foi criado: democratizar o design para materiais de marketing. O problema não é a ferramenta, é a expectativa equivocada de que ela substitui profissionais especializados na criação de marcas fortes e registráveis.
A solução passa por investir em naming estratégico, feito por profissionais que entendem de linguagem, posicionamento e disponibilidade marcária. Contratar designer profissional que crie do zero, sem templates compartilhados. Trabalhar com consultoria integrada, em que criação, branding e análise jurídica caminham juntas desde o início.
Não sou contra ferramentas de design. Sou realista sobre registro de marcas. O Canva facilitou a vida de muitos. Só que uma marca forte exige mais do que alguns cliques. Exige desde estratégia, originalidade, pesquisa de viabilidade, posicionamento, plano de expansão até visão de longo prazo. Exige profissionais que entendam tanto de criação quanto de proteção legal.
Se você criou logo no Canva, consulte um especialista antes de gastar com registro. Se caiu na campanha Gracyovos e está empolgado, recorde-se de que aquilo foi publicidade, não tutorial de registro no INPI. Criar marca em minutos pode ser fácil. Construir um ativo valioso e juridicamente protegido? Isso leva conhecimento, investimento e parceiros certos. Caso contrário, pode custar dinheiro, tempo e oportunidades perdidas.
*Cristhiane Athayde, empresária e diretora da Intelivo Ativos Intelectuais