OPINIÃO

O trampolim de Trump

por George Ribeiro

31 de Agosto de 2025, 06h10

None
Divulgação

Os Estados Unidos da América têm características únicas, entre elas a vontade de ascender às custas de outros países. Se o Brasil fosse uma colônia americana, os EUA estariam realizados. Trata-se de um desejo antigo, já denunciado por Raul Seixas na música “Aluga-se”, que continua fazendo muito sentido, menos no trecho “não vamos pagar nada”, porque pagamos caro. Fomos, inclusive, taxados. Mas afinal: quem ganha e quem perde?

Há quem queira um Brasil sem autonomia, incapaz de se governar e disposto a entregar seu poder e suas riquezas. O mais desprezível é vermos brasileiros compartilhando desse desejo, sem compreender o valor de nossa terra: a diversidade étnico-cultural de nosso povo; o domínio sobre grande parte da biodiversidade e da água doce do planeta; um território de extensão continental, com rica variedade de biomas fundamentais ao equilíbrio climático global, além de inestimável potencial científico, tecnológico e econômico.

E Trump, descontrolado, salta como o pato Donald na tentativa de impor sua intenção. Fica frustrado, porque a governança brasileira atual negocia no multilateralismo, que são relações com diversas nações, descartando a submissão a um único “xerife” mundial. Já não é mais possível a dependência econômica exclusiva dos EUA.

Mesmo assim, Trump tenta se impulsionar até pelas bordas, buscando criar conflitos nas fronteiras latino-americanas. Uma guerra, ainda que improvável, traria pressão de refugiados ao Brasil e violaria a soberania de outros países. Mas por que os EUA se colocam como a polícia do mundo? Porque a intervenção gera lucro. Para justificá-la, a ação começa aparentemente com boas intenções ao classificar, por exemplo, as facções criminosas do Brasil em organizações terroristas. Assim, abre-se espaço para a entrada dos “heróis americanos em estilo hollywoodiano”, prontos para agir e depois dominar as terras invadidas, como já ocorreu em países ricos em petróleo.

E onde há petróleo e terras raras? No Brasil. Importa lembrar que o neoimperialismo não se resume apenas a guerras armadas. Ele inclui também a intervenção cultural, a dependência econômica e a alienação de políticos locais que negociam interesses nacionais em troca de vantagens pessoais.

Nesse cenário, vale recordar o desastroso “contrato Bolsotrump”: de um lado, o colonizador ávido pelas riquezas brasileiras; de outro, um governante disposto a entregá-las. O ex-presidente brasileiro sempre se declarou “apaixonado” pelos EUA, enquanto chegou a tratar o Brasil como lixo. Bateu continência para a bandeira americana, falou em negociar a Amazônia e rifou o país. Hoje, Bolsonaro se vale do filho como intermediário em seus arranjos políticos, ignorando todo um corpus nacional, a fim de sabotar o Brasil e pressionar — até ameaçar — autoridades da Justiça para escapar da condenação. Conta ainda com apoio de outros parlamentares brasileiros que, pagos em real, trabalham para favorecer o país do dólar. Assim, Trump pula e pula.

Se não há justificativa para um confronto direto com o Brasil, que é um país historicamente pacífico, e, considerando que nas relações comerciais os EUA sempre mantiveram superávit, resta criar crises políticas artificiais para fomentar a instabilidade. Afinal, Trump ainda se apega ao poder e busca apoio internacional para sustentar seu desejo íntimo, cada vez mais evidente, de um terceiro mandato, algo atualmente ilegal nos Estados Unidos. Preocupantemente, ele insinua essa possibilidade caso o país esteja em guerra. Não esqueçamos o episódio do Capitólio, que mostrou que aspirantes a ditador não querem entregar a faixa.

O projeto político e intervencionista de Trump para a América Latina é real. Uma escalada militar na região, como já ocorreu em outros países ricos em petróleo, não está descartada. Para ele, uma guerra pode ser apenas um detalhe diante da ambição de permanecer no poder e se enriquecer com recursos alheios. Mas o trampolim brasileiro não lhe serviu como esperado. Sua “alma gêmea” política, aquela que admitia que numa guerra “se morrerem alguns inocentes, tudo bem”, foi pega no pulo do golpe. O Brasil, por sua vez, fortaleceu sua economia, ampliou parcerias estratégicas com os BRICS e consolidou suas instituições de justiça. Culturalmente, crescemos como nação que não aceita mais ser coadjuvante.

No Brasil de hoje, Trump não tem trampolim.

 

*George Ribeiro é professor da rede estadual de ensino, pós-graduado em Gestão Pública e Gerência de Cidades, e mestrando em Educação pelo PPGEduc/UFR. Redes sociais: @georgeribeiroo