OPINIÃO
O inesperado e o sem precedentes
04 de Maio de 2024, 10h37
Na segunda-feira, 1º de abril, supostos aviões militares de Israel bombardearam o consulado iraniano em Damasco, na Síria. Nesse ataque, o comandante da Guarda Revolucionária do Irã, Mohammad Reza Zahedi, e outras seis pessoas faleceram. A Guarda Revolucionária do Irã, também conhecida como Força Quds, é uma organização militar fundada em 1979, logo após a Revolução Iraniana, que resultou na queda do xá Mohammad Reza Pahlavi e no estabelecimento da República Islâmica do Irã, sob a liderança do aiatolá Ruhollah Khomeini.
Originalmente criada para proteger os ideais revolucionários do novo regime e defender o país contra ameaças internas e externas, a Guarda Revolucionária tornou-se uma das instituições mais poderosas e influentes do país persa. Operando independentemente das Forças Armadas regulares, é considerada uma força de elite que reporta diretamente ao Líder Supremo.
Além de suas operações dentro do Irã, a Guarda Revolucionária também desempenha um papel ativo em várias regiões do Oriente Médio, particularmente no apoio a grupos e movimentos aliados ao Irã, como o Hezbollah no Líbano e várias milícias xiitas no Iraque, na Síria e no Iêmen. A unidade mais conhecida da Guarda Revolucionária neste contexto é a Força Quds, responsável pelas operações extraterritoriais e pelo apoio a grupos aliados além das fronteiras do Irã.
Logo após o ataque de 1º de abril, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, declarou que Israel teria violado o Direito Internacional “ao cometer o crime terrorista de atacar o edifício diplomático”. O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, afirmou que Israel não apenas deveria, mas seria punido. Foi nesse contexto que, entre o sábado, 13 de abril, e o domingo, 14 de abril, ocorreu um ataque sem precedentes no Oriente Médio: cerca de 300 drones e mísseis iranianos foram disparados em direção a Israel.
O ataque foi seguido por uma resposta já esperada: aliados de Israel, como Estados Unidos, Reino Unido e França, se mobilizaram para deter e interceptar os projéteis iranianos. O inesperado, no entanto, veio logo a seguir: a ajuda de países árabes. A Jordânia, por exemplo, abriu seu espaço aéreo para aviões israelenses e estadunidenses, e os próprios jordanianos teriam abatido alguns dos drones iranianos. Esse fato pode ter soado como uma surpresa, pois, no passado, a Jordânia já atacou Israel. Mais do que isso, uma parte significativa da população jordaniana tem origem palestina.
O outro aspecto sem igual do ataque recente foi o apoio da Arábia Saudita a Israel, interceptando disparos provenientes do Iêmen. A ajuda saudita, no entanto, não era necessariamente um gesto de proteção ou aliança com Israel, mas, sim, uma ação contra Teerã. A Arábia Saudita e o Irã, principais potências do Golfo Pérsico, competem tanto pela liderança quanto pela influência na região. Ambas as nações estão envolvidas em uma série de conflitos regionais, apoiando atores opostos e buscando expandir sua rede de aliados. No Iêmen, outro foco de instabilidade no Oriente Médio atual, a Arábia Saudita lidera uma coalizão militar que combate os rebeldes Houthis, apoiados pelo Irã. Além disso, os dois países têm interesses conflitantes na Síria, no Líbano e em outras nações.
Entre 18 e 19 de abril, Israel atacou o Irã em resposta. Esses ataques teriam atingido aeroportos e instalações militares – próximos a locais onde é desenvolvido o programa nuclear iraniano. Anteriormente, o Irã havia dito que qualquer resposta israelense escalaria o conflito, com uma nova rodada de disparos vindos de Teerã. Agora, a questão é se isso de fato ocorrerá. Por maior que tenha sido o ataque iraniano em 13 de abril, parece ser mais uma demonstração de força. Os iranianos certamente sabiam que o sistema de defesa “Domo de Ferro” de Israel interceptaria boa parte dos projéteis. Com a recente resposta de Tel-Aviv, poderemos presenciar uma escalada jamais vista dos conflitos no Médio Oriente – pois as forças iranianas são exponencialmente maiores que as de Israel.
Enquanto aliados de Israel tentam moderar as ações de Tel-Aviv, as bolsas de valores ao redor do mundo despencaram e o dólar no Brasil alcançou seu maior valor em mais de um ano. É provável que, em breve, vejamos novos reflexos nos preços do petróleo e das commodities em geral. Esses efeitos, no entanto, não são nem inesperados nem sem precedentes.
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray