ROSANA LEITE

Aborto legal, no hospital

por ROSANA LEITE

07 de Janeiro de 2021, 08h12

Rosana Leite   Imagem: Reprodução
Rosana Leite Imagem: Reprodução

A Argentina vem se despontando como país onde os movimentos sociais são fortes e comprometidos. Exemplo disso foi a decisão histórica em aprovar, na madrugada do dia 30/12/2020, o direito da mulher ao seu corpo, em poder decidir sobre a interrupção da gravidez.

Agora é realidade que elas poderão ter o direito de dizer se querem ir adiante com a gestação, até a 14ª semana de gestação. A decisão, no Senado, contou com 38 votos favoráveis e 29 contrários, e com uma abstenção.

Pesquisas indicam que o índice de morte de mulheres em razão do aborto é grande em todos os lugares do mundo, sendo maior entre as mulheres negras. Por outro lado, nenhuma mulher é obrigada a fazer uso de métodos contraceptivos, e nem a se submeter à laqueadura. Segundo a Lei nº 9.263/96, a mulher e o homem possuem direito de decisão quanto ao número de descendentes que pretendem ter.

A realidade é que nenhum feto sobrevive sem o corpo da mulher, até o terceiro mês de gestação. Os métodos caseiros utilizados pelas mulheres com menores condições financeiras têm feito vítimas todos os dias. Todavia, as mulheres mais abastadas, como é sabido, realizam o procedimento em clínicas informalmente.

Assim, a criminalização do aborto, além de desrespeitar o direito de todas as mulheres indistintamente, ainda pune severamente as hipossuficientes. Enquanto os homens vivem livremente a sexualidade, as mulheres ficam ‘amarradas’ em corpos que não lhes pertence por direito.

São direitos fundamentais da pessoa humana, juntamente com o direito à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança, dentre outros. Merecem proteção constitucional, não se podendo falar em sociedade livre, justa e solidária, quando ocorre qualquer desrespeito.      

Na América Latina, a Argentina, juntamente com Cuba, Guiana, Guiana Francesa, Uruguai, Porto Rico, na Cidade do México e no estado de Oaxaca (México), existe a autorização para que as mulheres possam determinar sobre o seus corpos e sexualidade. Ao todo são 67 os países do mundo onde o aborto pode ser exercido por vontade da proprietária do corpo.

A celebração foi farta de choro de alegria, dança e fogos de artificio da cor verde, que passou a ser símbolo em prol da luta pelo aborto legal. A sociedade seguramente ficará melhor, menos hipócrita e com maior proteção aos direitos das mulheres.

Enquanto as ‘hermanas’ e os ‘hermanos’ apresentam a realidade de que o aborto poderá acontecer no hospital, o nosso país percorre caminho inverso ao permitir a tramitação do absurdo ‘Estatuto do Nascituro’. Sem esquecer que no Brasil a mulher que deseja a esterilização através da operação de ligadura das trompas, necessita da autorização do cônjuge.  Elas também enfrentam dificuldade em alguns locais do país para a realização do aborto legal....

Será que irão insistir em mentiras? Mentiras de que o abortamento não acontece? Mentiras de que os procedimentos não são realizados clandestinamente?

Parabéns à Argentina, que, para além da aprovação do aborto legal pela vontade da mulher, ainda incluiu uma cláusula para evitar judicialização dos procedimentos, evitando a demora.

O texto aprovado prevê que o aborto deve ser realizado até 10 dias depois do pedido da mulher. Ademais, se o profissional da medicina se opuser à realização, deverá transferir a paciente para unidade que realiza dentro do prazo. Em paralelo, foi aprovado o projeto dos “Mil Dias”, como um conjunto de políticas de contenção e assistência financeira, médica e psicológica a mulheres mais pobres que desejam continuar a gestação, mas que se encontram com dificuldade financeira.  

Para elas logo ali pertinho, na nossa fronteira, as comemorações: “É lei, é lei, é lei”. “Aborto legal, no hospital”.

Pensar na descriminalização do aborto é garantir a redução de morte materna por raça, cor e condição social. Por aqui, em ‘terra brasilis’, quem sabe um dia... 

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.