OPINIÃO

Os quatro anos do Marco Civil do Saneamento

por Francisco Carlos Oliver

08 de Outubro de 2024, 07h21

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Divulgação

Uma norma legal brasileira imprescindível para atualizar questões do setor, o Marco Civil do Saneamento, ou Lei nº 14.026/2020, estabeleceu novas regras para o fornecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto no País e fez mudanças importantes especialmente para a população. Ela atualizou e ampliou a antiga Lei nº 11.445/2007 e outras sete leis relacionadas.

Um aspecto importante que foi estabelecido na gestão do saneamento é que agora envolve mais participantes, como governos, empresas e organizações civis, os integrando de forma mais efetiva. A partir de sua publicação, o conjunto de regulamentação dos serviços de saneamento se tornou mais uniforme em todo o território brasileiro e contribuiu com a criação de órgãos regulatórios mais empoderados.

Outro ponto considerável é que os contratos de prestação de serviços precisam hoje em dia ter mais clareza e transparência, com estabelecimento de formas de acompanhamento e metas bem delineadas. Com as regras atuais, estão previstas novas fontes de financiamento para investimentos em saneamento, inclusive com a possibilidade de aproveitamento de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Uma inovação oportuna a ser destacada é que a lei estimula a criação de blocos regionais, pelos quais municípios menores e com menor capacidade de investimentos se unam e possam contratar de forma conjunta serviços de saneamento, tornando ao que tudo indica a prestação do serviço mais viável e mais eficiente.

Como a unanimidade em questões de legislação quase sempre é inalcançável, há naturalmente também críticas neste diploma legal, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela Presidência da República. Uma preocupação preliminar foi a de que pudesse gerar concentração do mercado, privilegiando um grupo de empresas e reduzindo desta maneira a concorrência. Havia críticas de que as empresas do mercado poderiam privilegiar regiões mais urbanizadas e lucrativas, deixando de lado áreas rurais, ou de difícil acesso, mas principalmente comprometendo a universalização dos serviços.

O receio era que o favorecimento de empresas privadas pudesse levar à redução da qualidade dos serviços, especialmente em regiões de baixa renda e mais distantes dos grandes centros. Outra grande preocupação da opinião pública em relação à lei seria a ameaça da procura desenfreada pelo lucro pelas empresas privadas, o que poderia gerar aumentos frequentes das tarifas, principalmente, para a população mais pobre.

Foram ouvidas ainda reclamações de que a nova lei diminuiria a participação popular na gestão dos serviços de saneamento, e concentraria o poder de decisão nas empresas privadas e órgãos reguladores. Aconteceram contestações também à falta de transparência no processo de tomada de decisão, o que dificultaria o controle da população sobre investimentos e a qualidade dos serviços prestados.

Tudo indica até aqui, porém, que o Marco Civil do Saneamento não desarmonizou o segmento empresarial, desarranjou governos locais, nem prejudicou os consumidores, apesar das queixas que ainda possam ser suscitadas de um ou outro grupo reivindicador. Segundo estudiosos no assunto, a análise mais exata dos efeitos do novo marco ainda é precoce, e os resultados a longo prazo só poderão ser bem compreendidos em sua plenitude quando for totalmente implementado e regulado.

Fontes do setor de saneamento entendem que será obrigatório os governos e órgãos reguladores criarem mais medidas para reduzir riscos e assegurar o crescimento dos seus benefícios em geral. No entanto, o Marco Legal do Saneamento Básico seguramente já trouxe várias melhorias, entre as quais a atração de mais investimentos privados para o saneamento e também o aperfeiçoamento da operação de toda infraestrutura envolvida.

Não se pode esquecer, no entanto, a imensidão do terreno a ser desbravado e os inevitáveis obstáculos no futuro. Nos termos da Cartilha sobre o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, publicada em 2021, pelo Conselho Federal da OAB: “os impactos da falta de saneamento básico sobre a população brasileira revelam-se perversos”. A publicação cita o Ranking do Saneamento 2021, formulado pelo Instituto Trata Brasil, pelo qual revela que cerca de 35 milhões de brasileiros não tinham acesso aos serviços de água e aproximadamente 100 milhões de pessoas não tinham acesso à coleta de esgotos. Revela também que o País não tratava metade dos esgotos que gerava (49%), o que significava lançar na natureza cotidianamente 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento. Vale lembrar sempre que o saneamento básico é saúde e também conservação ambiental.

Com metas mais claras e a abertura do mercado, espera-se um aumento significativo nos investimentos no setor, estimado em mais de R$ 700 bilhões até 2033, como foi divulgado publicamente. O objetivo até lá é que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e coleta de esgoto. Para um país com a dimensão continental e toda problemática tecnológica, política e social envolvida alcançar esse objetivo será um grande feito.

*Engº Francisco Carlos Oliver é diretor técnico industrial da Fluid Feeder Indústria e Comércio Ltda., especializada em tratamento de água e de efluentes por meio de soluções personalizadas. www.fluidfeeder.com.br