OPINIÃO
Sob o olhar dos ancestrais: uma jornada de fé e cura!
08 de Outubro de 2024, 07h23
O chão batido da casa dos pretos velhos vai além de ser um simples espaço físico; ele é um portal para um universo ancestral, onde fé, sabedoria e amor se entrelaçam, sempre guiados pela compaixão. Entre objetos antigos e cheiros que marcam, os guias espirituais tecem suas bênçãos, conectando presente e passado, enquanto abrem portas para um futuro banhado pela compaixão.
A influência da cultura afro-brasileira é profundamente enraizada na espiritualidade brasileira, e os pretos velhos, com sua sabedoria e humildade, desempenham um papel central nesse contexto. Essas entidades, que representam os ancestrais escravizados, carregam em si não apenas a história de resistência e dor, mas também a herança de fé, cura e compaixão. A espiritualidade afro-brasileira, marcada pelo sincretismo e pela diversidade, trouxe ao país uma maneira única de se relacionar com o sagrado, e os pretos velhos, como guias espirituais, tornaram-se pontes que ligam gerações e culturas, transmitindo ensinamentos valiosos que moldam a fé de milhões de brasileiros.
Além de espaços de fé, as casas dos pretos velhos cumprem um papel social vital como pontos de resistência cultural, apoio emocional e promoção da espiritualidade afro-brasileira. Durante séculos, esses locais preservaram tradições que foram marginalizadas, mantendo vivas as práticas ancestrais em meio a contextos de opressão e racismo. Mais do que centros espirituais, essas casas são refúgios onde as pessoas encontram acolhimento, amparo emocional e a reafirmação de suas identidades culturais. Ali, valores de coletividade, solidariedade e compaixão são transmitidos, fortalecendo as comunidades ao redor e oferecendo um suporte essencial para aqueles que buscam não apenas orientação espiritual, mas também apoio em momentos de sofrimento e vulnerabilidade.
As mulheres desempenham um papel fundamental nessas casas, tanto como médiuns quanto como guardiãs das tradições. São elas que, muitas vezes, sustentam e preservam o conhecimento ancestral transmitido de geração em geração, além de atuarem como pilares de suporte emocional e espiritual para suas comunidades. A atuação feminina é marcante, pois além de mediadoras entre o mundo espiritual e o material, as mulheres mantêm vivas as práticas e rituais que fortalecem a fé e a união dentro dos terreiros. Elas assumem papéis de liderança, cuidam dos espaços sagrados e perpetuam a tradição com dedicação e amor, enriquecendo ainda mais a espiritualidade afro-brasileira com sua presença e sabedoria.
Ao adentrar esse espaço sagrado, somos envolvidos por uma atmosfera única. A luz suave das velas, o aroma acolhedor do incenso e os cânticos que vibram em nossas almas despertam uma sensação de paz profunda, uma conexão espiritual e, acima de tudo, compaixão por todos os seres. Cada canto daquela casa conta histórias de amor e cuidado, cada objeto carrega memórias de acolhimento, e cada preto velho emana a sabedoria ancestral e a compaixão que abraça a todos. No centro do terreiro, o ambiente pulsa com a energia dos devotos que buscam orientação, cura e consolo. As mãos calejadas dos pretos velhos tocam nossas cabeças com ternura, transmitindo a força dos ancestrais e a mensagem divina de amor incondicional. Seus olhos, repletos de experiência e compaixão, enxergam além das aparências, revelando a verdade que habita cada um de nós.
As consultas com os pretos velhos são verdadeiras jornadas de autoconhecimento, em que a sabedoria simples deles nos guia pelos mistérios da vida. Seja através de cartas, búzios ou conselhos diretos, eles iluminam nosso caminho, revelando nosso passado, presente e futuro, sempre com base no amor universal. Com palavras sábias, nos orientam sobre os desafios da vida, oferecendo-nos ferramentas para superar obstáculos, tudo permeado por uma compaixão que abraça e cura.
Mas a casa dos pretos velhos não é apenas um lugar de consulta. É um espaço de acolhimento incondicional, onde todos, independentemente de crença, raça ou classe social, encontram refúgio para suas dores e angústias. Lá, podemos nos reconectar com nossa fé, com nossa essência e com a compaixão que une a todos os seres.
Quando a dureza do mundo pesa sobre os corações de seus "filhinhos", os pretos velhos os acolhem, com afeto e consolo, oferecendo colo, palavras de conforto e a certeza de que a justiça divina prevalecerá. Eles nos ensinam que a compaixão é a força que move o universo, que o amor cura todas as feridas, e que a fé nos dá a força necessária para atravessar qualquer dificuldade.
Ao sair da casa dos pretos velhos, levamos conosco mais do que conselhos — saímos renovados, com a fé fortalecida e com o coração transbordando de amor. A chama da compaixão, acesa dentro de nós, nos guia. Os ancestrais continuam ao nosso lado, iluminando nossos passos com amor e sabedoria. Essa casa espiritual é um lar que acolhe, ensina e transforma, lembrando-nos de que o que realmente cura e transforma o mundo é o amor e a compaixão, em suas formas mais puras e infinitas.
*Soraya Medeiros é jornalista com mais de 22 anos de experiência, possui pós-graduação em MBA em Gestão de Marketing. É formada em Gastronomia e certificada como sommelier