CAFÉ NO GAZETA

“Direita e esquerda falam de política, mas em clima ainda de futebol”

Terceiro personagem da série especial, Olavo Luvian, vai de mutirão carcerário à luta contra discurso de ódio em seu bate papo com a equipe

por Robson Morais

13 de Abril de 2018, 16h34

“Direita e esquerda falam de política, mas em clima ainda de futebol”
“Direita e esquerda falam de política, mas em clima ainda de futebol”

Fotos: Sirlei Alves / GazetaMT

Grampolândia Pantaneira, condenação em primeira e segunda instância, a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, polarização da política nas ruas, os discursos nas redes sociais, a figura de Lula e dos investigados da Lava Jato, os novos nomes -agora tucanos- na mira da Justiça... Ufa! A terceira entrevista especial da série "Café no Gazeta MT" falou de tudo isso e ainda teve espaço para mais. No total, uma hora e quase vinte minutos de conversa com o advogado previdenciário e penal Olavo Luvian.

Luvian já foi personagem em outras duas reportagens do GazetaMT, produzidas ainda em 2017. De Reforma da Previdência ao Mutirão Carcerário que possibilitou a agilidade nos processos de presos que aguardavam a lentidão habitual da Justiça detidos no presídio da Mata Grande, em Rondonópolis. Este tema também fez parte da entrevista.

Abaixo os principais trechos da conversa. O projeto 'Café no GazetaMT' será publicado no site todas as sextas-feiras.

GMT: Sua atuação como advogado previdenciário nós conhecíamos. Há pouco, também o vimos atuando na esfera penal, no mutirão.

OL: Desde os 16 anos trabalho com meu pai no direito previdenciário, depois tive o contato com o direito penal e, por paixão, segui nesta área. Participei do Mutirão Carcerário em 2017, época em que havia uma preocupação muito grande com o risco de uma rebelião na Mata Grande, dado o acontecimento desta natureza ocorrido na mesma época no Rio Grande do Norte.

Veja só, em São Paulo, por exemplo, não se tem mais notícia de rebelião. Isso porque a unidade prisional é comandada por uma única facção criminosa, que se organiza e se mantém no presídio de modo conveniente. Isso inclui, inclusive, poder de negociação de reivindicações. O domínio é desta maneira. Na Mata Grande, naquela época, havia facções diferentes dentro do presídio, risco iminente. Parte poderia abrir as celas e exterminar o grupo rival

Por isso houve o Mutirão. É um absurdo o número de presos por crimes leves que aguardam julgamento. Tem delegado que prende meninos com um ou dois cigarros de maconha, eles sobem para o presídio e por lá ficam. O Mutirão é para tirar as pessoas que ali estavam por motivos irrisórios. Nosso trabalho era auxiliar a Defensoria Pública. Deu resultado.

GMT: Agora tivemos outra preocupação: a chegada de mais cem presos na Mata Grande, um presídio já superlotado.

OL: Estes presos são de situação diferente, acredito que já condenados. Mas o Mutirão pode ajudar também neste contexto, averiguando a situação de outros que estão lá, a devida necessidade legal. Vemos casos de prisões equivocadas, por exemplo, com mandados de prisão em aberto por engano. Isso não pode acontecer.

GMT: A audiência de custódia também ajuda neste processo?

OL: Sem dúvida. O papel do juiz na audiência é fundamental, ele verifica a legalidade de prisão. Um indivíduo que não é ouvido pela polícia nem pelo delegado tem, na frente do juiz, esta oportunidade. Isso acontece todo dia.

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GMT: Hora da política, dr. Vamos falar um pouco deste "contexto Lula".

OL: O processo de Lula ocorre em um ritmo diferente. Foram ouvidas mais de trinta testemunhas, anda em tempo recorde. Na verdade, o ideal é que isso aconteça com todos os casos. Em especial o do ex-presidente e dos envolvidos na Lava Jato tem sido bem acelerados, talvez pela condução do juiz Sergio Moro.

Moro, para mim, é de incontestável brilhantismo, tem capacidade técnica. O problema é que no que tange ao processo, algumas coisas não foram cumpridas e algumas ilegalidades foram cometidas. É nisso que a defesa de Lula se apega sempre -advogados fantásticos, por sinal-, nestes buracos. A defesa, repare, não afirma que o Lula é inocente de tudo, mas, sim, que vai provar as ais ilegalidades no processo.

GMT: O senhor tem feito a leitura de que há atuação política por parte dos juízes, desembargadores, das instâncias, em geral?

OL:  Não vejo desta forma. Agora, por exemplo, teremos uma série de nomes do PSDB na mira da Jstiça. O (Geraldo) Alckmin perdeu o foro e deverá ser investigado. O que pode mudar no atual momento, aí sim, é o ritmo da delações premiadas. Mas isso porque o perfil da (Raquel) Dodge é diferente do perfil do (Rodrigo) Janot.

Janot foi muito mais negociador nas delações, estava mais aberto e focado em chegar ao chefe. A Dodge tem perfil mais moderado, mais reservado, tem um cuidado maior com a regra do jogo. Janot mirava o efeito, ela não. A exemplo: a delação do Palocci até agora não saiu. Se fosse o Janot teria acontecido, até porque o Palocci está desesperado por um acordo, está há muito tempo preso.

GMT: E quanto aos processos contra tucanos que prescreveram, se perderam no tempo?

OL: Ai é outro ponto. Temos duas Justiças no Brasil, dois momentos processuais, antes e depois da Lava Jato. Foi comprovada a existência de uma corrupção sistêmica e os procuradores e a Polícia Federal -PF tem hoje mais liberdade para atuar. Antes os processos corriam devagar, pra dar me pizza. Hoje, na minha opinião, isso não acontece mais

Muitos processos estão agora sendo reabertos, justamente para que se entenda o motivo dos arquivamentos. Há uma nova geração frente o Ministério Público e ela está com força , com gás e apoio popular. As investigações vão mais até o final porque hoje está comprovada a existência de todo o sistema de corrupção na administração pública.  

Outro ponto é a mídia. Hoje as pessoas sabem o nome de cinco ministros do STF e não sabem o nome de cinco jogadores da seleção brasileira de futebol em pleno ano de Copa do Mundo. Isso é simbólico. A internet deu acesso, deu voz. O povo está atento.

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GMT: Tivemos no Estado de Mato Grosso o caso da Grampolândia Pantaneira. Todo mundo acompanhou...

OL: Isso foi gravíssimo. A Ordem dos Advogados do Brasil -OAB do Estado acompanhou o caso a fundo. Nosso presidente se posicionou.

O que o governador aparentemente fez foi muito grave. Ele veio do MP e por isso tem muita influência lá dentro, assim como dentro da polícia. Acredito que ele seja investigado e, pelas provas que se tem, há reais chances de condenação.

...

GMT: Voltemos à Brasília. Esta celeridade que o senhor mencionou no início sobre Lula e os nomes da Lava Jato. Isso tende a continuar?

OL: Acho que não haverá essa celeridade por agora. Tivemos, de fato, uma caça ao Lula, uma perseguição que se deu pelo fato dele sair da posição de um presidente com recorde de aprovação para a figura associada diretamente à corrupção no Brasil. Houve um sentimento de traição por parte do povo.

Nos dias de hoje, quando ele, Lula, afirma não ser mais uma pessoa sim uma ideia, este pensamento já não é mais o do povo, apenas da figura dele.

GMT: Isso pôde ser sentido nestes dias de asilo no sindicato dos metalúrgicos. Nõa houve comoção, exceto da CUT e os aliados já conhecidos.

OL:  Encaro o tom de Lula como arrogante. Ele se coloca como um Nelson Mandela , um Martin Luther King. Eu até achei que ele fosse pedir asilo político fora do Brasil, talvez não o tenha feito porque a Defesa não teve tempo ante uma ordem de prisão tão rápida, ela foi pega de surpresa e naquele momento já não havia mais jeito.

E mais: na minha opinião Lula não sai da prisão tão cedo. Ele responde a cinco processos, que vão correr juntos com condenações somatórias. A cada derrota aumenta a prisão. É uma ilusão pensar em Lula candidato. Não será em hipótese alguma, acredito eu.

GMT: Sobre a Defesa ter sido pega de surpresa, foi tudo muito rápido.

OL:  Sobre o decreto da prisão, não foi estranha a postura do (Sergio) Moro. Ele apenas cumpriu a Lei. O que foi rápido foi o ofício do TRF-4. Mas se pensarmos que a prisão estava prevista desde o dia 24 de março, quando a Defesa entrou com uma liminar, não foi, também, tão rápido assim.

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GMT: Chegamos ao STF, à presunção de inocência...

OL: O STF escuta, sim, a voz popular. Há uma maioria absoluta no Supremo de que a presunção de inocência não está diretamente ligada à prisão. Gilmar Mendes tem a visão alternativa, junto com o (Dias) Toffoli, de que a prisão é no STJ.  Mas se somar com os que negaram o habeas corpus são oito ministros que entendem que não é necessário o trânsito em julgado para o cumprimento de pena.

Não é inconstitucional a prisão antecipada. O Supremo considera a possibilidade de prender antes do transito em julgado, a prisão antecipada. O que enrola é no STJ, mas o ministro (Luís Roberto) Barroso sugeriu que fosse decidido na primeira votação no STJ. Acho que é isso que o STF vai fazer.

As pessoas julgam mal o STF, vejo alguns xingando os ministros, insultado figuras como o decano Celso de Mello. Isso, sim, é grave. Um absurdo.

GMT: Nós podemos confiar em nosso Judiciário? A história mostrará que caminhamos certo confiando nas instâncias?

OL: O sistema judiciário funciona, não acredito na sua politização. Penso que há uma elevação da sociedade, a juventude tem mais acesso à informação, é mais correta e cobra. Esta cobrança por uma justiça que funcione ajuda para melhor.

As instituições, todas elas, daqui pra frente, tendem a melhorar ainda mais. Há um caminho, as pessoas hoje tem mais acesso a faculdade e querem buscar estes cargos por vocação, por vontade de fazer justiça.

GMT: Nossa democracia é muito recente, pouco mais de trinta anos. Essa falação toda tem ligação com isso?

OL: É recente. Nós temos muito a aprender. Talvez por isso esse ódio contra as instituições, contra os próprios partidos.

Sobre os discursos de ódio nas redes, isso também é efeito da democracia nova. As pessoas, até há pouco tempo, não tinham voz nenhuma. De repente podem falar no tom que quiser. É isso.

Neste contexto, o natural é que primeiro elas gritem, depois se acalmem e com o tempo tudo vai baixando. As pessoas vão aprendendo. Estamos agora vivendo um momento de extremos, um Corinthians e Palmeiras, mas o tempo irá nos ensinar. Teremos, de fato uma democracia. Essa cultura de ódio é muito grande, talvez não se acalme, mas os discursos tendem a baixar depois da gritaria.

Direita, esquerda e centro. Hoje todo mundo fala de política e isso é bom para o Brasil, mas ainda se fala como em clima de futebol, querendo ganhar, ter razão. Isso vai passar. É uma democracia nova, um povo politizado novo, mas tudo tem que ter um começo.

Talvez seja este o nosso!