CAFÉ NO GAZETA

Lúdio Cabral: “Mato Grosso é governado para atender aos barões da soja”

Médico e político, o pré-candidato foi o personagem do mais novo episódio da série especial

por Reportagem: Robson Morais / Fotos: Sirlei Alves

27 de Abril de 2018, 14h17

Lúdio Cabral: “Mato Grosso é governado para atender aos barões da soja”
Lúdio Cabral: “Mato Grosso é governado para atender aos barões da soja”

 

O ex-vereador por Cuiabá, candidato a prefeito e a governador do Estado -derrotado em ambas as ocasiões-, Lúdio Cabral foi o personagem do 'Café no GazetaMT' desta semana. Médico de formação e político por convicção, analisou as duas esferas. Falou da conjuntura e da pré-candidatura à Assembleia Legislativa em 2018. Periga caminhar sozinho. Talvez seja, justamente, essa a proposta.

Filiado ao PT, sigla onde milita desde o início da vida pública, Lúdio Cabral reconhece a dificuldade em levantar a bandeira partidária em um Estado tradicionalmente conservador, ainda mais em meio às consecutivas arranhaduras em nível nacional (consequente ruína funil abaixo). Vislumbra, porém, o que considera projeto alternativo para 2018, à esquerda, aliado a partidos como PCdoB e Psol. Em último caso, recorrer a outras alianças.

Abaixo os principais trechos da conversa. O Café no Gazeta é postado no site todas as sextas-feiras.

Gazeta MT: Lúdio, vamos iniciar pela sua atuação como servidor público. Sua atuação na rede pública contempla unidades de saúde nas periferias.

Lúdio Cabral: Fiz uma escolha muito cedo na minha na profissão, ainda no início do curso de medicina, escolhi me especializar em medicina comunitária e assim construí minha trajetória ao longo da formação e depois atuando. Quando me formei fui imediatamente aprovado no concurso público da prefeitura de Cuiabá e escolhi uma comunidade na periferia da cidade para trabalhar como médico. Dessa unidade, segui por 22 anos exclusivamente na saúde pública. Na época comecei, por isso, a militar no SUS em movimentos sociais de Saúde.

Gazeta MT: Conhecendo a rede pública, que avaliação faz?

Lúdio Cabral: O Brasil tem uma proposta revolucionária. No papel é o melhor sistema do mundo, espelhado em modelos do Canadá, Inglaterra e outros países. A proposta é fantástica, pois torna a saúde um direito. Até 1988 isso não ocorria.

O que deveria, porém, ser prioridade era o cuidado primário com a população, nos locais onde as pessoas vivem, nos bairros, nas comunidades. Isso gera mais qualidade no serviço.

Outro ponto: o SUS foi implantado num sistema que trata a saúde como mercadoria, existe um conflito contra os interesses de quem precisa da doença para ganhar dinheiro. De um lado está a atenção primaria e do outro a medicina de mercado.

Gazeta MT: Em Mato Grosso, qual sua visão?

Lúdio Cabral: Nosso Estado fez uma escolha muito errada, creio que por volta de 2011. Escolheu a contratação das Organizações Sociais, as OS, para prestar o serviço de competência do Estado. O modelo de contratação era num preço muito acima do valor do sistema conveniado ao SUS, que existia antes. Criou-se uma disparidade e o Estado começou a pagar muito parcelas do sistema de saúde atendendo uma parte pequena da população e, ao mesmo tempo, mantendo um sistema sucateado no setor público e mal remunerado no setor privado filantrópico conveniado ao sus tradicional.

Isso sugou muitos recursos e com o tempo o Estado não conseguiu mais sustentar. Tínhamos um problema na saúde e agiram de forma errada para solucionar.

Gazeta MT: O atual governador Pedro Taques atribui, vez e outra, os problemas ás gestões passadas. Não é uma afirmação, portanto, exagerada...

Lúdio Cabral: O problema é que este diagnósticos ele, quando candidato, já tinha. Essa crise já existia. Fomos, ele e eu, candidatos em 2014 com o compromisso de revolver isso.

Se ele não resolveu em quatro anos não agora culpar o antecessor. Ao final do mandato responsabilizar governo anterior é assinar um atestado de incompetência, é assumir que fracassou e não deu conta de resolver o problema.

Gazeta MT: O que pensa de iniciativas como a Caravana da Transformação?

Lúdio Cabral: É uma iniciativa positiva, mas é um paliativo. É um atestado de que o governo não conseguiu ajustar o sistema de saúde e daí a necessidade de uma Caravana.

Toda campanha é positiva quando se tem demanda reprimida, mas não se pode atender a demanda reprimida numa campanha e não organizar o sistema de saúde para dar conta dos problemas que surgirem depois. Daqui a dois três anos vai ter que fazer outra campanha porque não deu conta de ajustar.

...

Gazeta MT: Chegamos à política. Sua pré-candidatura está confirmada. Antes dela, porém, uma pergunta: não ter ido nem sequer para o segundo turno em 2014 foi decepcionante?

Lúdio Cabral: Não foi decepção se considerar todas as dificuldades que tivemos. Aop contrário, o resultado até que foi positivo. Fui candidato com dificuldades, pelo PT que na época representava aqui a aliança nacional com o PMDB, partido do Executivo local e com alta rejeição naquele ano. A oposição usou muito bem essa imagem colada ao longo da campanha.

Enquanto isso, (Pedro) Taques estava na crista na onda, havia no povo a esperança de ter um governante com o perfil que ele tinha, ou parecia ter... Um homem da justiça, um líder.  Isso, depois, foi quebrado...

Outra coisa que houve é que fomos traídos por setores aqui no Estado. Os barões do agronegócio se aproveitaram de uma relação próxima em nível federal com Lula  e Dilma e depois concentraram força política e economia na campanha do Taques. Ele era o candidato do agronegócio e nós enfrentamos o peso do poder econômico.

Ficou muito claro o medo que esse setor tinha e tem de um governo do PT no Estado. A gente precisa ter claro quem governa Mato Grosso, e para quais interesses. Em 2017 fomos o segundo Estado que mais cresceu economicamente e ainda temos tanta precariedade. Isso é um reflexo. Mato Grosso é governado para atender aos barões da soja e eles não precisa de Saúde Pública, Educação Pública...

Gazeta MT: Em 2018, esta ainda é a visão?

Lúdio Cabral: Esta eleição tem que ser disputa de projetos de verdade. O desenho que esta aí é pra continuar tudo do jeito que está. Não vejo novidade nos três candidatos que se apresentam. Novamente, os bareos da soja se reúnem com as lideranças, com os políticos e dão as ordens de quem pode ou não apoiar. Eles traçam e escolhem o perfil de quem vai ganhar e a situação se mantém em não taxar o agronegócio.

Gazeta MT: E como o pré-candidato Lúdio se insere neste contexto?

Lúdio Cabral: Vou fazer uma campanha sem recurso, perdi em 2014 e voltei a atuar como médico, agora voltei mais ativamente para a militância para construir a candidatura. Penso em construir verdadeiramente alternativo, junto com PCdoB e, se possível, o Psol. É um movimento que começa a ser trabalhado, mas existe muita dificuldade em realizar.

A minha ideia é não fazer aliança, mas esse é o dilema. Minha origem foi posta em xeque e esta é uma oportunidade pra retomar meu caminho. Defendo uma aliança de esquerda, com partidos de esquerda. Outra alternativa é fazer aliança com alguns partidos que já tiveram aliados ao PT, como o PR, por exemplo, mas eu, particularmente, não defendo esse caminho.

Gazeta MT: Apoio a Wellington Fagundes?

Lúdio Cabral: Minha relação com ele é muito boa, mas ele fez escolhas, votou pela reforma trabalhista e pelo impeachment. Respeito as posições, mas são contrárias ao que defendemos. Por isso minha dificuldade em apoiá-lo.

Gazeta MT: Nacionalmente, Ciro e Haddad?

Lúdio Cabral: O PT não vislumbra outro cenário que não o de Lula como candidato. A aliança Ciro-Haddad é uma possibilidade, mas penso que mais adiante, não é o que o partido pensa neste ano eleitoral. Lula ainda é o candidato favorito nas pesquisas.

Se Lula não for candidato -muita coisa ainda está para acontecer- que a esquerda se una e construa uma unidade, um projeto realmente alternativo, senão periga termos dois candidatos de direita no segundo turno.

Bolsonaro e Jaquim Barbosa podem conflitar e rachar votos. Bolsonaro ilustra o ódio de classe de muita gente, gente que tinha vergonha de falar e votava em outros candidatos, mas que agora encontraram nele a representação do preconceito e do ódio.